O dever de prestar contas está em todas as épocas e dimensões da vida. Quem administra bens ou interesses alheios é obrigado a dar satisfação sobre o uso deles ao seu dono. Vale para as esferas privada e pública.
A Bíblia é pródiga sobre o tema. Na “Parábola dos Talentos”, os agraciados precisaram demonstrar o que fizeram com os dons recebidos. No Juízo Final, com a promessa de um veredicto justo, os livros de nossas vidas serão abertos e lá estarão registrados todos os atos que praticamos, os bem e os malfeitos.
Indo do sagrado para o laico e mirando o espaço público, encontramos o princípio da prestação de contas na Declaração Universal dos Direitos dos Homens da ONU. Forjada no pós-guerra (1948), ela proclama que a sociedade tem o direito de pedir contas a todos os agentes públicos. A redação enfatiza o direito do cidadão de pedir contas, logo, o ato de prestá-las encerra, de um lado, um dever do agente público e, de outro, um direito da sociedade. É dizer: se o cidadão é debitado em seu patrimônio por meio dos tributos, fica com o crédito de cobrar dos gestores o seu bom uso, por meio de políticas públicas que propiciem bem-estar social.
A atual Constituição brasileira consagra esse princípio quando diz que prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos. Trata-se de um dever que decorre do próprio princípio republicano. Se a coisa que eu administro não é minha, é meu dever prestar contas a quem de direito.
A rigor, o dever de prestar contas não é mero formalismo. Imanente a ele, está a obrigação de demonstrar o bom governo dos recursos, além de conferir máxima transparência aos atos da gestão. É preciso ser e parecer um bom gestor. Outro ponto a clarear: o conceito de contas transcende à apresentação de demonstrativos contábeis, financeiros, orçamentários e fiscais. Engloba todos os atos da gestão e suas motivações, que devem ser fiscalizados e julgados à luz da legalidade, legitimidade, economicidade, impessoalidade, moralidade e eficiência.
Dito isto, surge a pergunta: a quem os gestores públicos devem prestar contas? Ao titular máximo do controle, o povo, sendo transparentes, a fim de permitir o efetivo controle social; ao Poder Legislativo, que congrega seus legítimos representantes, assim como aos Tribunais de Contas, que receberam tal delegação do próprio constituinte originário.
PS – Nas próximas colunas, a função de controle e o papel dos Tribunais de Contas como guardiões da república.
Valdecir Pascoal – Conselheiro do TCE-PE