O olhar e as palavras

João Antonio

A subjetividade humana, por vezes contida em silêncio, manifesta-se em delicadas reações corporais que se entrelaçam com a razão ou com a emoção. Cada gesto, palavra ou acontecimento que nos cerca desperta em nós uma resposta — por vezes sutil, por vezes arrebatadora — que tanto nos revela quanto nos transforma. Somos permeáveis ao mundo, e nesse diálogo constante entre o interior e o exterior, a identidade se forma, se desfaz e se refaz.

Nos bastidores dessa dinâmica, o cérebro humano busca incessantemente um ponto de equilíbrio entre o sentir e o pensar. Se a ausência de emoção nos exila da experiência do humano, o excesso de racionalidade nos aproxima de uma existência mecânica, desprovida de sentido e afeto. O equilíbrio entre razão e emoção não é apenas desejável — é essencial, sobretudo no ato de decidir. E decidir, afinal, é uma condição inevitável da existência: a cada instante, somos convocados a escolher, e cada escolha carrega o peso e a liberdade de sermos quem somos.

Mas é na intersubjetividade que os seres humanos constroem, por meio de gestos e palavras, laços de confiabilidade mútua. Homens e mulheres, como já afirmava Aristóteles, são seres sociais por natureza. A convivência coletiva exige a organização de uma harmonia possível, fundada no reconhecimento das diferenças como elementos inerentes ao viver em comum. No entanto, uma verdade se impõe: sem comunicação, essa harmonia, tal como a conhecemos, seria praticamente inviável.

É nesse contexto que proponho uma reflexão sobre o olhar e as palavras — sobre a expressão da boca e as reações do coração. Já parou para pensar na importância desses elementos na comunicação humana? Quando alguém fala, não é apenas a boca que se expressa: há uma articulação complexa entre a linguagem e a consciência. A palavra nasce da razão — a boca, ao emitir sons, obedece aos impulsos do cérebro, que pondera, analisa o contexto e molda a fala conforme os objetivos do momento. Ao falar, o sujeito mede suas palavras, adapta-se ao outro e ajusta o discurso, equilibrando o desejo pessoal com as reações do interlocutor. Por isso, pode-se dizer: a boca dialoga com o cérebro, mas não necessariamente exprime toda a verdade do ser.

Já o olhar, esse não mente — ou, ao menos, mente com muito mais dificuldade. E isso por uma razão simples: o olhar revela o que há de mais autêntico na subjetividade. Enquanto a boca racionaliza, os olhos traduzem sentimentos. Os olhos carregam uma conexão direta com o coração, sem filtros, sem ensaios. Se você deseja verdadeiramente compreender o outro, relativize o que é dito e atente-se ao seu olhar. Pois, o olhar é, muitas vezes, a mais fiel tradução do que se sente — e é no sentir que reside a verdade mais profunda do humano.

Em síntese, o ser humano navega pela existência como quem conduz um barco instável, em busca constante do equilíbrio entre razão e emoção. Nem o coração isolado, movido apenas pelo sentir, nem o cérebro sozinho, guiado unicamente pela lógica, são capazes de sustentar plenamente a travessia da vida. É na sincronia entre ambos — no diálogo sutil entre o pensar e o sentir — que encontramos a medida justa para tornar a vida mais humana, mais leve e, sobretudo, mais verdadeira.

João Antonio é conselheiro do TCM-SP e vice-presidente da Atricon