A demanda por fiscalização e prevenção de danos na mineração tem se mostrado uma ferida aberta no Brasil. Tivemos recentemente dois desastres em Minas Gerais decorrentes do rompimento de barragens de rejeitos de minérios: em Mariana, em 2015, com 19 mortos; e Brumadinho, em 2019, com 270.
A atenção agora se volta para Maceió, que desde 2018 sofre com impactos da mineração realizada pela Braskem a mil metros de profundidade. Após estudos do Serviço Geológico do Brasil, concluiu-se que as fendas e rachaduras ocorridas resultaram da desestabilização das cavidades de extração de sal-gema, que, comprometidas, provocaram movimentação e situação dinâmica de reativação das estruturas geológicas. Isso levou ao afundamento do solo, acelerado pela falta de rede de drenagem pluvial e saneamento. As atividades foram encerradas, e 60 mil pessoas tiveram de ser evacuadas.
Novos tremores recentemente demonstraram permanência da instabilidade e, no último dia 10, a mina 18 rompeu abaixo da Lagoa Mundaú, levando a nova evacuação e a efeitos de salinização da fauna e flora de dimensões ainda desconhecidas.
O município de Maceió firmou acordo com a Braskem para pagamento de R$ 1,7 bilhão, que deverão ser destinados à reparação do dano ambiental e a todo e qualquer outro gasto do ente público com ações, projetos, programas decorrentes do evento geológico, incluindo políticas sociais (saúde, educação), patrimônio histórico e infraestrutura. Prevê, ainda, que os custos serão quitados sem direito de regresso (nada mais poderá ser cobrado da empresa).
Até o momento, não temos notícia de publicação pelo município de um plano de política pública para mitigação dos danos. Ainda que os recursos sejam suficientes para que Maceió repare por si só todos os danos do desastre, ficamos com as seguinte questões: quais serão as próximas situações em relação às 35 minas? Estamos seguros de não sofrer novamente com situações similares? Quantas empresas podem estar atuando de forma irregular noutras cidades, mas sem danos visíveis?
Tais tragédias devem servir de aprendizado sobre a importância da atuação eficaz do município como implementador de política ambiental. Afinal, é o ente mais próximo do dano e dos cidadãos atingidos.
Para que o município assim atue, é necessário o desenvolvimento de capacidades estatais e a criação de órgão ambiental com quadro técnico concursado e equipamentos, evitando atuações clientelistas e cooptação da atuação dos agentes públicos pelos detentores do poder econômico. Também é necessária a construção de arranjos federativos com estados e a União, com cooperação e coordenação para que os entes possam executar suas múltiplas atribuições de forma adequada, autônoma e eficiente.
Problemas ambientais trazem interesses que vão além do território municipal, demandam tomada de decisões sustentáveis e compatíveis com o cenário global, considerando a transversalidade com outras políticas e a existência de múltiplas escalas temporais e espaciais dos processos ambientais. Tudo isso mostra a importância do planejamento centralizado das diretrizes a seguir, e o fato de sua implementação não dever ficar exclusivamente à mercê do interesse político do administrador local.
Fabrício Motta – conselheiro do Tribunal de Contas dos Municípios do Estado de Goiás
Nathália Costa Tozetto – procuradora do município de Goiânia