Depois de assumir a presidência do TCE-PE para o biênio 2024-25, tive a honra de participar do programa “Passando a Limpo”, da Rádio Jornal. A certa altura da entrevista, falei das duas frentes de atuação do TCE-PE. A primeira, mais tradicional, mirando a legalidade (conformidade) dos atos e compromissos de gestão: licitações, contratações, responsabilidade fiscal, admissão de pessoal, limites mínimos constitucionais em educação e saúde, previdência e transparência, priorizando uma atuação preventiva. A segunda vertente, decorrente de um avanço trazido pela Constituição de 1988, introduziu o controle e avaliação da eficiência das políticas públicas.
Foi daí que a competente jornalista, ex-deputada, Terezinha Nunes perguntou se aquela segunda frente de atuação não seria uma espécie de ocupação (invasão) do lugar dos gestores e dos políticos.
Respondi que não. Reiterei que a Constituição ampliou o alcance da fiscalização dos Tribunais de Contas, ao determinar (artigos 70 a 75) que esses órgãos analisem, além das formalidades legais, o aspecto operacional da gestão, que se traduz no dever de controlar, igualmente, a eficiência, a eficácia e a efetividade (os resultados) de cada centavo aplicado pelos governos.
Quem escolhe e elabora as políticas públicas são os governantes legitimamente eleitos pelo povo, com a aprovação do Legislativo. O papel do Tribunal de Contas é avaliar se a aplicação dos recursos, por exemplo, tem amparo na legislação, se o desenho da política pública segue as melhores técnicas de governança, se os indicadores e as metas foram bem construídos e estão sendo observados, se os dispêndios refletem os preços de mercado (economicidade), se os órgãos responsáveis pela execução das políticas públicas estão estruturados e tendo bom desempenho. Dessa análise, que se concretiza a partir de um diálogo cooperativo com os gestores, podem surgir recomendações de aprimoramentos, pactos de ajustes e, em último caso, uma responsabilização quando evidenciados erros graves.
Talvez a relativa incompreensão desse novo papel dos Tribunais de Contas decorra do próprio termo “Política Pública”, que precisa ser entendido não como uma ação política de natureza eleitoral, mas sim como as intervenções (em regra, sob a forma de despesas públicas) dos governos para garantir direitos à população em diversas áreas, a exemplo da educação e saúde, com o objetivo de promover qualidade de vida e bem-estar aos cidadãos. É sobre a eficiência dessas ações de governo que agem os Tribunais de Contas.
A tradicional coluna deste JC “A Voz do Leitor”, por exemplo, tem tudo a ver com esse papel dos Tribunais de Contas. A quase totalidade das críticas e reclamações dos cidadãos neste espaço cívico recaem sobre fragilidades na execução de políticas públicas pelos governos. Essa “voz cidadã”, que também costuma chegar ao nosso conhecimento pelos canais da Ouvidoria do TCE-PE, há de ser uma inspiração para que nossa atuação seja cada vez mais útil ao verdadeiro dono de tudo: o povo.
É imbuído desse propósito-dever que o TCE-PE continuará alargando a sua atuação no controle das políticas públicas. Além da PRIMEIRA INFÂNCIA, do desafio da SUSTENTABILIDADE DOS ATERROS SANITÁRIOS e da situação das escolas públicas (TRANSPORTE E INFRAESTRUTURA ESCOLAR), já muito bem contemplados na gestão anterior do Presidente Ranilson Ramos, vamos entrar também na análise da eficiência dos recursos aplicados em SEGURANÇA PÚBLICA, PATRIMÔNIO HISTÓRICO, COMBATE AO ANALFABETISMO, DIREITOS DA PESSOA IDOSA e COMBATE ÀS DISCRIMINAÇÕES.
Essa atuação a serviço da boa gestão e do cidadão não será efetiva sem recorrermos às modernas tecnologias e da inovação permanente, a exemplo do uso seguro da Inteligência Artificial (IA), que nos permitirá agilizar e melhorar a qualidade de nossos processos de governança interna, de fiscalização e de julgamento. Sem falar da necessidade do contínuo aprimoramento de nossa comunicação com a sociedade e da parceria com a imprensa. Aliás, essa nova forma de agir e de explicar a nossa atuação focando, em última instância, a melhoria da gestão e a qualidade de vida das pessoas, já é um bom antídoto para aprimorar o nosso diálogo com o cidadão, ante o desafiador contexto de desinformação, notícias falsas e de incompreensão sobre o papel das instituições públicas.
Buscando o aprimoramento institucional, o diálogo transparente com os gestores e a sociedade, a Democracia também será fortalecida. Serviços públicos de qualidade, incluindo o Controle, aliado à informação baseada em fatos e evidências, são vacinas em defesa da sustentabilidade do Estado Democrático de Direito.
Hoje, mesmo diante de um mundo mais complexo do que aquele de trinta e três anos atrás, quando ingressei no TCE-PE, ou de quando exerci a presidência pela primeira vez, há dez anos, sinto-me mais experiente para o desafio de recomeçar a viagem. Como disse no meu discurso de posse: que nesta nova jornada, o dia comece com o canto forte dos “Galos” de João Cabral, tecendo e anunciando novas manhãs de esperanças e renovando nossa profissão de fé na Fraternidade, na Constituição, na Democracia, na Gestão Pública, no TCE-PE, na pernambucanidade e no Povo Brasileiro.
*Publicado na edição do dia 21/01/2024 do Jornal do Commercio.
Valdecir Pascoal – Presidente do TCE-PE