Domingos Augusto Taufner*
Com apoio do presidente João Goulart, estavam em curso demandas por reformas de base. Mas forças contrárias, vendendo a ideia de que traziam o “risco do comunismo”, acabaram derrubando o governo e instituindo uma ditadura sangrenta que durou mais de vinte anos.
Entretanto, um fato importante ocorreu dias antes do golpe, que às vezes passa despercebido: em 17 de março de 1964 foi sancionada a Lei 4.320, ainda em vigor, que regulamenta a receita e a despesa públicas, elementos essenciais do orçamento e objeto de estudo do direito financeiro.
Esta lei disciplina várias situações, entre as quais a de que uma despesa deve estar prevista em orçamento, sem prejuízo de outras exigências legais; classifica receitas e despesas e institui empenho prévio para realizar despesa.
Interessados em apreender melhor o setor público, especialmente seus aspectos financeiros, devem obrigatoriamente conhecer o teor desta lei. Pensar em projetos e programas, entre outros relacionados ao serviço público é, sim, importante. Mas, sem conhecer e por em prática os mecanismos inerentes à administração pública,o que se pretender não pode simplesmente ser executado.
Mecanismos de controle de receita e despesa existem e devem ser observados pela administração, já que o dinheiro público não é do gestor, mas da sociedade. Sua arrecadação e uso, autorizados pelo Poder Legislativo, devem estar registrados consoante as normas de contabilidade pública e ser transparentes.
Nestes 50 anos, o país passou por profundas alterações no âmbito legislativo. Por isso, a Lei 4.320 deve ser interpretada em conjunto com a Constituição Federal de 1988 e com a Lei de Responsabilidade Fiscal, editada no ano 2000. Ademais, necessário ressaltar os papéis da Secretaria do Tesouro Nacional, na edição de regulamentos relativos ao assunto, e dos Tribunais de Contas, na aferição de seu cumprimento.
No Congresso Nacional tramitam propostas de alteração na Lei 4.320. É preciso que seja modernizada ou que se edite um novo diploma legal. Na verdade, a legislação de controle precisa ser adequada às novas tecnologias, desde que estas não constituam obstáculo ao princípio da eficiência. O controle é essencial para que o gasto público seja bem executado. Infelizmente, a obsessiva exigência de formalidades previne muito pouco os desvios de recursos e engessa a gestão, prejudicando a prestação de serviço público de bom nível, que é anseio da sociedade.
De qualquer forma, é necessário ressaltar que a Lei 4.320, como grande inovação naquela época, permanece viva e merece o nosso respeito.
*Domingos Augusto Taufner é conselheiro presidente do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo e mestre em Direitos e Garantias Fundamentais pela FDV