Valdecir Pascoal
Passado: Luís Gomes, sertão do RN, anos 70, na farmácia do meu pai. Foi nesse cenário que, ainda menino, aprendi o significado de honrar a palavra, de “assinar com o fio do bigode” e selar compromissos com aperto de mãos, costumes que traduziam confiança e credibilidade. Ali, eu testemunhei que os menores preços, os maiores descontos e o fiado mais longevo estavam reservados àqueles que costumavam cumprir fielmente o prometido. O inverso da moeda eu também via, quando o meu pai, na condição de cliente, comprava os medicamentos e se esforçava para pagar à vista ou para não atrasar as faturas. Resultado: ele conquistou um conceito que lhe garantia respeito e condições especiais no comércio.
Presente: hoje, um dos grandes desafios do setor público brasileiro é cumprir a regra que estabelece a ordem cronológica dos pagamentos decorrentes de contratos de obras, fornecimento de bens, locações e serviços (Lei 8.666/93). Eles representam uma proporção relevante do orçamento, impulsionam o setor privado e dinamizam a economia. Ao tratar com dinheiro público, é dever do gestor aplicá-lo à luz da legalidade, moralidade, eficiência, economicidade e impessoalidade. Há outras nuances. Enquanto a execução do orçamento acontece ao longo do ano, as fontes de receitas, como os impostos, não ingressam de uma só vez nos cofres públicos, daí a necessidade de uma programação financeira dos pagamentos segundo um critério objetivo e justo. Em regra, quem faz ou entrega primeiro, deve receber primeiro. Alterações dessa ordem só em casos excepcionais, a bem do interesse público. Essa obrigação da gestão tem, ainda, a valiosa virtude de propiciar economia ao erário (com pagamentos corretos, os preços tendem a baixar) e de servir como vacina ética contra privilégios indevidos, que, em alguns casos, carregam a nódoa da corrupção.
Futuro: prenúncio de novas luzes. Acolhendo sugestão da Atricon, o projeto de revisão da lei de licitações, aprovado na Câmara (PL 1.292/95), passa a exigir a divulgação da ordem dos credores no portal de transparência de cada órgão público, além de reforçar o papel dos Controles. A propósito, antecipando-se a esse cenário, desde 2015 o TCE-PE publica, em seu portal, a ordem dos seus pagamentos.
Em tempos de compliance, de integridade e do clamor cidadão por ética e eficiência nos serviços públicos e privados, não podemos esquecer o exemplo de nossos pais e avós, para quem a palavra empenhada era sinônimo de segurança, responsabilidade e crédito na praça. Nessa matéria, tempo é ouro e ordem é progresso.
Valdecir Pascoal — é Conselheiro do TCE-PE