Como boa parte do mundo, o Brasil está dividido. Vivemos uma espécie de confusão babélica no debate público e, ao mesmo tempo, um ambiente de silêncios ensurdecedores. Tempos de mal-estar e medo, de amizades tensionadas, de encontros adiados, de reencontros que jamais virão, de famílias estremecidas, corações espalhados em cada canto da casa, asas partidas.
Tudo é visto, a palo seco e sem empatia, pelas lentes da política, dos dogmas e de ideologias vencidas. A lente do amor anda fosca. “Surdos” entoam opiniões “míopes” sobre tudo. As certezas são absolutas. “Não sei”, “Preciso aprofundar”, “Vou botar na balança”, “Eu não tinha pensado sob este prisma”, são expressões que estão no museu. O sinal está fechado para o dever de buscar compreender o outro, antes de ver nele o inferno, do qual se julga livre. História de vida, criação, formação, índole, traumas, circunstâncias, meio, são aspectos quase sempre esquecidos na hora dos tolos veredictos binários. Procustos digitais teclam à solta. No sempre atual “Raízes do Brasil”, o historiador Sérgio Buarque de Holanda demole o mito do brasileiro afável, cordial. A nossa cordialidade é superficial, avesso de mansidão e se esvai à primeira contradita.
Para compreender a enrascada civilizatória em que nos metemos, destaco o livro “O Crepúsculo da Democracia: Como o autoritarismo e as amizades são desfeitas em nome da política”, de Anne Applebaum, jornalista americana, radicada na Polônia e vencedora do Pulitzer. Ela descreve o mesmo fenômeno divisionista ocorrido naquele país europeu, com a ascensão do partido “Lei e Justiça” (2010). O primeiro capítulo é um soco no estômago e serve de alerta. Uma legião de amigos esteve em sua casa, no noroeste da Polônia, para celebrar o fim do milênio – o Ano Novo de 1999. Anne salta para dez anos depois, quando atravessa a rua para evitar algumas daquelas pessoas, incluindo amigos de uma vida. O curioso é que a maioria tinha formação democrática, liberal e conservadora, como ela e o seu marido, diga-se, mas haviam migrado, hipnoticamente, para as hostes de um governo autoritário, xenófobo e antiliberal.
Pela contundência do barulho que ecoa desde Junho de 2013, ainda levará um tempo para o Brasil reconciliar-se como nação. Por ora, miremos Drummond, no seu “O Constante Diálogo”: – Escolhe teu diálogo e tua melhor palavra; ou o teu melhor silêncio; mesmo no silêncio dialogamos.
PS: A partir de amanhã, duas leituras obrigatórias: o livro “O Diálogo Possível”, de Francisco Bosco, e o poema “Os Olhos dos Pobres”, de Baudelaire.
Valdecir Pascoal – Conselheiro do TCE-PE