Para evitar retrocessos*
Você sabe quem são os profissionais que atendem na unidade de saúde mais próxima da sua casa? Quais as especialidades deles e a carga horária cumprida? Informações assim, básicas e diretas, deveriam estar ao alcance de qualquer cidadão, sem obstáculos. Esse é um exemplo dos efeitos que a Lei de Acesso à Informação (LAI) e também a Lei de Defesa dos Usuários dos Serviços Públicos deveriam causar. Mas, apesar de alguns avanços, os reflexos dessas regras ainda são insuficientes para transformar dados públicos em uma referência útil para a população.
Onde há investimento de recursos públicos, a informação deve estar à disposição de qualquer pessoa. Essa deveria ser a regra, mas o sigilo ainda parece estar longe de ser exceção no Brasil. Um levantamento da agência independente Fiquem Sabendo, especializada na aplicação da LAI, mostrou que órgãos federais negaram o acesso a 323 documentos considerados públicos, de janeiro a maio de 2019. Houve ainda órgãos que rejeitaram pedidos realizados alegando excesso de trabalho, uma resposta tão chocante que nem chegou a ser contabilizada pelo estudo.
A existência de critérios objetivos e justificáveis na classificação de quais documentos são sigilosos é fundamental para estabelecer uma relação menos nebulosa nesse processo. Mesmo assim, o relatório “Os Limites do Sigilo e a Agenda da Transparência Pública no Brasil”, da organização Artigo 19, demonstra que, no plano estadual, há ausência de informações sobre a classificação e desclassificação de documentos públicos, com raras exceções. Um dos principais problemas encontrados foi a existência de portais desatualizados e com poucos registros dando conta da manutenção de dados sob sigilo. “Acreditamos que isso deva ser revisto, pois é bastante improvável que os órgãos centrais das unidades federativas não disponham de documentos sigilosos”, alerta o documento.
A informação pública é um ativo valioso. Além de ser um instrumento de controle social, pode servir de subsídio para a oferta de serviços que facilitem a vida do cidadão, tudo de forma simples, tanto no acesso quanto na linguagem. Relatórios minuciosos sobre os diferentes campos da administração pública são necessários e obrigatórios, a fim de se tornar conhecidos os dados sobre a gestão fiscal, os contratos, as obras em andamento, as receitas e tantos outros. Mas não podemos esquecer que a publicidade também significa dialogar diretamente com o cidadão com as mesmas ferramentas que usamos nas nossas redes sociais: é efetivo e democrático.
O cenário atual indica que os sete anos de aplicação da LAI não foram suficientes para que essa norma transforme completamente a relação entre sociedade e poder público no que diz respeito à transparência. É preciso avançar e, ao mesmo tempo, evitar retrocessos. Tentativas recentes de ampliação do sigilo sobre dados federais sinalizam que a resistência à luz ainda persiste na burocracia pública. A cultura do segredo, maquiada muitas vezes em critérios arbitrários e excessivos para classificar documentos como sigilosos, não pode voltar a ser uma realidade em nosso país.
* Cezar Miola, Conselheiro do TCE-RS.