Presidentes da Atricon e Abracom publicam artigo em defesa do TCM-CE

ATRICON ABRACOM

Ante a tentativa de extinção do Tribunal de Contas dos Municípios do Estado do Ceará (TCM-CE), os Presidentes da Atricon (Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil) e da Abracom (Associação Brasileira dos Tribunais de Contas dos Municípios), Conselheiros Valdecir Pascoal e Thiers Montebello, publicaram, nesta sexta-feira (13), um artigo em que defendem a inconstitucionalidade da medida e os riscos de retrocesso institucional, num momento em que a sociedade exige um controle mais efetivo dos recursos públicos.

Veja na íntegra o artigo:

Dâmocles e os Tribunais de Contas

* Valdecir Pascoal

* Thiers Montebello

Uma das principais conclusões do notável livro “Por que as nações fracassam”, de Acemoglu e Robinson,  é que o desenvolvimento de uma nação é diretamente proporcional à qualidade de sua democracia e de suas instituições. Preservar a democracia e seus avanços significa fortalecer as instituições para que o Estado possa cumprir efetivamente com os seus objetivos precípuos: promover o bem comum, reduzir as desigualdades e garantir o desenvolvimento.

Os Tribunais de Contas são uma conquista da república e da democracia brasileira e como tal desempenham um relevante papel em defesa da boa governança pública, exercendo o controle externo com o propósito de proteger o patrimônio do povo de ineficiências e corrupção.

Essa natureza republicana e democrática dos Tribunais de Contas foi deveras ampliada e robustecida pela nova ordem constitucional iniciada em 1988 e foi a própria Lei Maior quem estabeleceu garantias implícitas e explícitas visando proteger esses órgãos de ações deletérias. Com efeito, semelhante ao que acontece com os direitos e garantias individuais, que são protegidos pelo cânone da vedação do retrocesso, também na esfera pública o fortalecimento de instituições de caráter republicano deve ser protegido por cláusulas rígidas, que impeçam, por exemplo, que maiorias ocasionais no Parlamento ou arroubos autoritários desconstruam conquistas democráticas.

A recente iniciativa de extinção do Tribunal de Contas dos Municípios do Estado do Ceará, uma instituição respeitada  e com mais de 60 anos de história, nos moldes em que foi tentada, é um típico exemplo de retrocesso institucional, vedado pela Constituição. A alegação de que a extinção seria econômica para o Estado não restou comprovada por nenhum estudo prévio, e nem poderia, considerando que todo o patrimônio e a quase totalidade do quadro funcional seria absorvida pelo TCE e os membros não aproveitados continuariam a receber seus subsídios integralmente sem trabalhar. Outro dado que merece realce é que os valores somados dos orçamentos do TCM e do TCE são bem semelhantes aos de Tribunais de Contas de outros Estados que possuem jurisdição plena sobre as administrações estaduais e municipais.

A crise econômica e fiscal enseja ajustes orçamentários, que são fundamentais para o reequilíbrio das contas públicas. Não é, porém,  com a desconstrução imotivada de órgãos de controle que se alcançará maior rigor nos gastos públicos. Neste caso, esse desejo soa até como uma contradição.

Diante do atual estágio evolutivo dos Tribunais de Contas e do sistema de controle externo — cujo modelo, vale lembrar, foi delineado e ratificado pela atual Carta Magna —, qualquer alteração que reduza, impeça e mitigue a atuação dessas instituições implica manifesto retrocesso, vedado pelo pacto republicano e pelos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima.

Não bastasse esse aspecto fundamental e meritório, a proposta — aprovada de forma açodada em menos de 15 dias,  sem qualquer discussão com a sociedade e sem que fossem apontados fatos que desacreditassem o bom conceito gozado pelo TCM — ainda é claramente inconstitucional por afrontar a autonomia e a capacidade de autogoverno asseguradas aos Tribunais pela Lei Maior (CF, artigos 73,75 e 96). Qualquer mudança estrutural no modelo de controle externo exercido por um Tribunal de Contas, salvo as alterações que emanam de um poder constituinte originário, ilimitado por natureza, exige-se que a iniciativa legislativa seja do próprio Tribunal.  Admitir, por exemplo, que uma proposta de autoria de um parlamentar extinga Tribunais de Contas significa colocar a espada de Dâmocles permanentemente sobre a cabeça do Tribunal, ceifando todas as garantias que permitem uma atuação independente. Inconcebível.

Como todas as instituições, os Tribunais de Contas, a despeito dos bons serviços que já prestam à sociedade,  podem e devem ser aprimorados. A Atricon e a Abracom defendem, por exemplo, a criação de um Conselho Nacional para os Tribunais de Contas, nos moldes do CNJ, e desenvolvem programas e ações que incentivam essas instituições a buscarem o melhor desempenho com vistas a cumprirem plenamente o seu valoroso papel constitucional. Da mesma forma que a construção do êxito de uma nação se dá pelo acúmulo de conquistas históricas, nosso fracasso poderá ser fruto da tolerância com os retrocessos. Continuaremos alertas, vigilantes e confiantes de que o STF, assim como já prenunciou no exame cautelar da infeliz iniciativa, extirpará definitivamente essa manifesta ameaça à efetividade do sistema constitucional de controle externo.

Valdecir Pascoal – Presidente da Atricon – Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil

Thiers Montebello – Presidente da Abracom – Associação Brasileira dos Tribunais de Contas dos Municípios