Mara Lúcia Barbalho da Cruz
A Constituição Federal de 1988 é clara ao estabelecer a primeira infância como prioridade absoluta da sociedade e do Estado. Esse princípio, reafirmado no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e no Marco Legal da Primeira Infância (Lei nº 13.257/2016), impõe aos gestores públicos a responsabilidade de garantir políticas que assegurem proteção, cuidado, educação e desenvolvimento integral nos primeiros anos de vida.
É nessa fase, dos 0 aos 6 anos, que se consolidam as bases físicas, cognitivas, emocionais e sociais do ser humano. Diversos estudos científicos comprovam que investir na primeira infância é a mais eficaz estratégia de transformação social, reduzindo desigualdades, prevenindo violências e criando condições reais de cidadania plena.
Os 33 Tribunais de Contas do nosso País, a partir das recomendações da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon), reforçaram esse chamado, ao instituírem agosto como o mês da Primeira Infância. O objetivo é sensibilizar gestores, órgãos de controle e a sociedade sobre a centralidade do tema, mobilizando esforços para que crianças sejam, de fato, prioridade nas agendas e nos orçamentos públicos.
É fundamental que essa priorização de crianças com até seis anos seja feita onde as políticas públicas são executadas, onde as pessoas vivem, ou seja, nos municípios. Por isso, é dever de cada prefeitura elaborar a sua Política Municipal da Primeira Infância e, em seguida, implementar essas prospecções por meio do Plano Municipal da Primeira Infância, levando em consideração a realidade daquela localidade, seus índices e outros fatores.
Ao voltarmos o olhar para a Amazônia, percebemos que os desafios se tornam ainda maiores. A vastidão territorial, as dificuldades de mobilidade, a ausência de infraestrutura básica e a vulnerabilidade social de muitas comunidades exigem políticas públicas desenhadas com sensibilidade e especificidade regional. Não podemos replicar modelos prontos de outras regiões do Brasil e acreditar que surtirão os mesmos efeitos em nossas múltiplas realidades amazônicas. Um exemplo simples é o chamado custo amazônico, que impacta consideravelmente implementações de iniciativas públicas na educação, saúde, obras e outros.
Defender a infância, em nosso contexto regional, significa compreender a criança ribeirinha, indígena, quilombola, urbana ou rural em sua diversidade sociocultural. Significa enfrentar a carência de saneamento, de moradia digna, de acesso à saúde e à educação, explicitando assim a dificuldade de garantia dos direitos humanos mais básicos. Assim, nossos enfrentamentos também incluem respeitar e valorizar as identidades que compõem a Amazônia.
As Cortes de Contas brasileiras, incluindo o Tribunal de Contas dos Municípios do Pará, têm o compromisso de seguirem vigilantes e parceiras dos gestores públicos na construção de políticas consistentes e transformadoras. O controle externo é muito mais que fiscalizador. É também pedagógico, fomentador de boas práticas e promotor de justiça social.
Conselheiros, servidores e parceiros do TCMPA, incluindo instituições nacionais e internacionais, estão percorrendo todas as regiões paraenses levando conhecimento técnico para prefeituras, câmaras de vereadores, fundos municipais e toda sociedade sobre a primeira infância. São palestras e cursos específicos que abordam desde o conscientizar desses agentes municipais até a necessidade emergencial deles construírem políticas efetivas voltadas à infância.
Nos últimos anos, promovemos encontros, seminários e pactos entre atores e instituições sociais que abrangem a causa. Porém, nós, sociedade, precisamos ir além.
Mais do que qualificar tecnicamente prefeitos, vereadores, presidentes de fundos municipais e outros agentes públicos, devemos tornar esse assunto comum nas rodas de conversas dentro de nossas casas, entre amigos, no ambiente profissional e outros. Agir dessa forma também é nosso dever de cidadão, afinal, nossas crianças têm direitos violados diariamente, com os mais variados tipos de agressões e, muitas das vezes, tornam-se invisíveis aos olhares da sociedade.
Se quisermos um Brasil mais justo e sustentável, precisamos começar pelo óbvio: colocar a infância no centro das decisões. É um dever constitucional, um mandamento legal e, sobretudo, uma escolha ética. Priorizar a primeira infância não é gasto, é o investimento mais inteligente que podemos fazer pelo presente e pelo futuro da nossa nação, especialmente aqui, no coração da Amazônia.
Mara Lúcia Barbalho da Cruz é conselheira do Tribunal de Contas dos Municípios do Pará (TCM-PA) e presidente do Comitê da Primeira Infância do TCM-PA