Prosa, poesia e pandemia
A trágica pandemia que desafia a humanidade provocou um inusitado encontro entre Vinícius de Moraes, Charles Dickens, Carlos Drummond e Nelson Cavaquinho.
Vinícius, com a emoção do poeta e a razão do diplomata, não se conforma com a magnitude do drama:
– A terra, de fato, ainda não era um paraíso, mas havia avanços e coisas maravilhosas que iam além da música, das musas e das tardes em Itapuã. Li, com otimismo, o livro “O novo iluminismo”, do cientista cognitivo e professor de Harvard Steven Pinker. Em 75 gráficos impactantes, ele comprova, por A + B, que a vida, a saúde, a prosperidade, a segurança, a paz, o conhecimento e a felicidade estavam em plena ascensão no mundo, nos últimos tempos. E, de repente, não mais que de repente, surge um vírus e, num instante, do riso fez-se o pranto, da calma fez-se o vento, do momento imóvel fez-se o drama. De repente, fez-se do amigo próximo, distante, fez-se da vida uma aventura errante.
Dickens, sempre afiado na crítica social e na observação da condição humana, ao ouvir tamanhos paradoxos – solidariedade, egoísmo; empatia, desprezo; racionalidade, negacionismo científico; amor, ódio –, lembrou-se do que contara sobre as “Duas Cidades”, no contexto da Revolução Francesa. O nosso presente imperfeito repetia aquele passado:
– Foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos, foi a idade da razão, foi a idade da insensatez, foi a época da fé, foi a época da incredulidade, foi a estação da luz, foi a estação das trevas, foi a primavera da esperança, foi o inverno do desespero, tínhamos tudo diante de nós, tínhamos nada diante de nós, íamos direto ao Paraíso, íamos todos em sentido contrário.
Drummond, sempre gauche, dessa vez, bradou com indignação:
– Mundo, vasto mundo, quantas pedras no meio do caminho! Minhas retinas fatigadas nunca se esquecerão desses acontecimentos. A humanidade já foi capaz de tantas conquistas, tantas “viagens siderais” rumo ao progresso. Porém, vejo que só restará ao homem (estará equipado?) a dificílima e dangerosíssima viagem de si a si mesmo e a tarefa de pôr o pé no chão do seu coração. Experimentar, colonizar, civilizar e humanizar o homem. Descobrir, em suas próprias e inexploradas entranhas, a perene e insuspeitada alegria de saber CON-VIVER. E agora, José? A chama não pode se apagar.
Mas eis que surge a luz redentora do cavaquinho de Nelson, inspirada no Salmo 30-5, começando a cantar a esperança:
– O sol há de brilhar mais uma vez. A luz há de chegar aos corações. Do mal será queimada a semente. O amor será eterno novamente.
Valdecir Pascoal – Conselheiro e Diretor da Escola do TCE-PE