A recondução de um debate público brasileiro a um estado de funcionalidade, a partir de uma realidade mais democrática, foi o ponto central da conferência do filósofo e ensaísta Francisco Bosco, que abriu os trabalhos desta quinta-feira (30), no III Congresso Internacional dos Tribunais de Contas (III CITC), realizado no Centro de Eventos do Ceará, em Fortaleza (CE).
O doutor em teoria da literatura é autor do livro que leva o mesmo nome do tema da palestra, ‘O diálogo possível: por uma reconstrução do debate público brasileiro’. “Eu escrevi esse livro porque nos últimos anos era cada vez mais nítida a minha interpretação de que o debate público brasileiro estava em estado de disfuncionalidade grave. Porque um debate público tem como premissa que cada agente participe com o que poderíamos chamar de uma razoável margem de manobra cognitiva”, disse ao complementar que isso significa que todos nós temos alguma afeição ideológico política.
“Já temos repertório existencial, político, social. É para termos formado um conjunto de ideias de onde a gente parte para interpretar o mundo.” Nesse sentido, Bosco destacou que se cada um partir da premissa de que a realidade só deve confirmar a nossa visão, o debate público perde a sua função, “ele não tem como funcionar”, resumiu.
O palestrante fez uma contextualização da redemocratização no país, passando por fatos históricos, do Brasil e do mundo, pela promulgação da Constituição Federal de 1988, que trouxe a previsão de direitos fundamentais, até chegar a recentes acontecimentos. Abordou casos que acarretaram nessa realidade de um país politicamente dividido em diversas correntes de pensamento. O desafio está, exatamente, na retomada desse diálogo.
“A minha atuação como intelectual público tem sido justamente no sentido de tentar desfazer o que eu considero serem caricaturas, deformações, falsificações que vêm pautando a conversa pública e produzindo ressentimento, retroalimentação de caricaturas e tudo isso vai levando a uma compreensão muito deformada da realidade que interessa, de um lado ao narcisismo das pessoas que se deixaram levar pelo canto das sereias do pertencimento grupal e, por outro lado, ao interesse eleitoreiro dos agentes políticos institucionais com, entretanto, evidente prejuízo à sociedade civil, que deveria ser a intermediária de um debate público saudável”, ressaltou.
Para o ensaísta, o funcionamento correto de um debate público é ser uma “instância abstrata para onde convergem todos os recursos de que uma sociedade dispõe para aprimorar a sua interpretação da realidade.” Esses recursos são: argumentos, evidências, fatos empíricos. “O debate público é o lugar para onde concorre esse conjunto de argumentos e as pessoas, por sua vez, estão expostas a isso e devem se deixar friccionar por esses recursos e, se for o caso, transformarem as suas posições caso os argumentos e as evidências as convençam disso”, reforçou.
Francisco Bosco destacou o papel das instituições em todo esse contexto: “deve ser o de não ter dois pesos e duas medidas, o de sempre obedecer aos procedimentos previstos em lei.” Também fez uma crítica ao funcionamento dos algoritmos nas redes sociais, enfatizando que a emergência delas foi um fator agravante de toda essa situação: “quando as redes sociais surgiram foram percebidas como um fator com enorme potencial de emancipação, de aprofundamento democrático (…) como é que a utopia digital acabaria desembocando num verdadeiro pesadelo de fake news, degradação política?” O filósofo completou: “as redes sociais são governadas pelos famigerados algoritmos, uma espécie de Inteligência Artificial que vai aprendendo o comportamento das pessoas (…) Como é que se aumenta o engajamento? Identificando aquilo que faz com que as pessoas passem mais tempo nas redes sociais. E o que faz com que as pessoas passem mais tempo nas redes sociais? Ódio e pertencimento.”
Finalizou dizendo que “reconduzir o debate público brasileiro a um estado de funcionalidade, a partir de uma nova realidade mais democrática”, é uma tarefa coletiva e que exige tempo.
Presidente da mesa, a conselheira Rosa Egidia Crispino Calheiros Lopes, do Tribunal de Contas do Estado do Pará (TCE-PA), qualificou a palestra como “profunda, mas muito agradável e disposta de uma maneira muito leve”. Para finalizar, destacou a atuação dos membros e servidores das Cortes de Contas: “como servidores públicos, controladores, indutores de políticas públicas não devemos nos deixar dominar por qualquer ideia de polarização.”
O Congresso
O III Congresso Internacional dos Tribunais de Contas (CITC) ocorre entre os dias 28 de novembro e 1º de dezembro, no Centro de Eventos do Ceará, em Fortaleza. Serão quatro dias de programação, 57 atividades, 102 palestrantes e 1,5 mil inscritos.
Acompanhe a cobertura completa e apresentações dos painelistas no site da Atricon. As fotos estarão disponíveis no Flickr. A programação pode ser acessada diretamente no site do Congresso e contará com palestras, encontros técnicos, reuniões e outras atividades, como oficinas e capacitação.
O evento é promovido pela Associação dos Membros dos Tribunais de Contas (Atricon) em conjunto com o Instituto Rui Barbosa (IRB), o Tribunal de Contas do Estado do Ceará, Associação Brasileira dos Tribunais de Contas dos Municípios (Abracom), Associação Nacional dos Ministros e Conselheiros Substitutos dos Tribunais de Contas (Audicon) e Conselho Nacional de Presidentes dos Tribunais de Contas (CNPTC), com o patrocínio do Sebrae, da Água Mineral Natural Indaiá, do Banco do Nordeste e do Governo Federal.
O apoio é da Associação Nacional do Ministério Público de Contas (AMPCON), do Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais de Contas (CNPGC), da Confederação Nacional da Indústria (CNI), do Instituto Dragão do Mar, das Secretarias da Cultura e do Turismo do Estado do Ceará e do Tribunal de Contas do Estado do Mato Grosso (TCE-MT).
Texto: Dhenia Gerhardt
Edição: Vinicius Appel
Foto: Braulio Ferraz e Ribamar Neto