Respeito, diálogo e convencimento

Mais de 5,5 mil quilômetros se colocam entre Porto Alegre, no Sul do Brasil, e Boa Vista, em Roraima, no Norte. A maior distância entre capitais brasileiras equivale a mais do que o dobro do espaço que separa Lisboa de Berlim, na Europa, atravessando cinco países, suas línguas, leis e culturas. Em uma nação continental, a interligação do território sempre foi um desafio ao próprio governo federal. E uma tarefa ainda maior quando a iniciativa parte não do poder central, mas dos Estados. A Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon) chega aos 30 anos de fundação neste mês de agosto dando importante contribuição nessa caminhada. 

Criada em 1992, a entidade nasceu como órgão de classe. Numa época em que as adversidades eram maiores em razão das dificuldades de comunicação e das incertezas dos primeiros anos de redemocratização, membros de Tribunais de Contas deram o primeiro passo para a aproximação corporativa. Logo, viram que tinham um desafio maior pela frente. Como a Constituição de 1988 havia ampliado as competências das Cortes de Contas, não seria possível, em prazo razoável, tirar do papel as determinações da Carta Cidadã sem construir um trabalho de coordenação nacional. 

É assim que a Atricon passa a se transformar em um órgão de representação, aperfeiçoamento e integração dos Tribunais de Contas e de seus membros, funcionando, na prática, em muitos casos, como um conselho voltado a fortalecer o Sistema de Controle Externo brasileiro em benefício da sociedade. Transparência, eficiência, boa gestão, combate a irregularidades, responsabilidade social, legalidade, moralidade e impessoalidade se tornam parte de uma gramática nacional, que, respeitado o princípio federativo, precisa chegar de maneira uniforme ao Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul, com sede em Porto Alegre, e ao Tribunal de Contas de Roraima, em Boa Vista, passando por outras 31 instituições distribuídas pelo país. 

A difusão dessa gramática voltada ao aprimoramento institucional se dá, principalmente, por meio do programa Qualidade e Agilidade dos TCs (QATC) e dos resultados do Marco de Medição de Desempenho (MMD-TC). De forma resumida, por meio desses dois instrumentos a Atricon busca mapear e disseminar as melhores práticas de atuação às Cortes de Contas, além de estimular melhorias a partir das oportunidades identificadas.

Uma resolução recente, de dezembro de 2021, por exemplo, elencou diretrizes com objetivo de melhorar a fiscalização dos tribunais sobre a gestão florestal no país, tarefa fundamental para a preservação da natureza e para o desenvolvimento brasileiro. Em 20 páginas, a resolução serve como guia aos órgãos de controle, listando, por exemplo, ações concretas a serem executadas na hora de inspecionar os órgãos responsáveis pela proteção ambiental. A maioria delas começa com o verbo “verificar” e busca identificar os gargalos na gestão florestal, como falta de pessoal, capacitação, equipamentos ou planejamento. 

A Atricon também tem um olhar voltado à Praça dos Três Poderes, em Brasília. Em nome dos tribunais, a associação não mede esforços em defesa dos seus membros e da legislação a respeito do Sistema de Controle Externo, visando ao seu aperfeiçoamento e prevenindo retrocessos. 

O trabalho construído em três décadas é ainda mais notável se levado em conta um aspecto fundamental da ligação da Atricon com os 33 Tribunais de Contas: não há vinculação ou hierarquia, de natureza processual ou administrativa, nessa relação. As realizações só avançam porque estão baseadas em respeito, diálogo e convencimento apoiado no melhor argumento e em evidências. Atricon completa 30 anos mostrando que as distâncias não impedem a ação coordenada no controle das contas públicas, e que nenhum tribunal é uma ilha. 

*Artigo publicado no jornal Folha de São Paulo.

Cezar Miola – Presidente da Atricon.