Um dos ritos de passagem mais importantes de um Estado republicano e democrático é a transição de governo, período entre as eleições e a posse dos novos governantes, sobretudo quando vencedores e vencidos são de agremiações políticas antagônicas.
Alguns aspectos e posturas qualificam essa travessia: humildade dos vencedores e resignação dos não eleitos. Democracia clama civilidade, alternância de poder e respeito às regras do jogo. No momento em que a democracia ocidental e suas instituições sofrem um grave processo de erosão, é preciso buscar inspiração em fatos históricos que revelam a hombridade de governantes nesses momentos.
Dos EUA, vem a edificante lição de Obama, na derrota de Hillary Clinton para Trump (2016): “Muitos americanos estão felizes, muitos não estão felizes. Mas assim funcionam as eleições. Essa é a natureza da democracia… Às vezes, você perde um argumento. Às vezes, uma eleição. Nós tentamos convencer as pessoas de que estamos certos. E então as pessoas votam. E se perdemos, nós aprendemos com nossos erros, fazemos reflexões, sacudimos a poeira e voltamos ao jogo… O ponto é que todos sigamos em frente, com a presunção de boa fé em nosso povo… Eu estou ansioso para fazer tudo que eu puder para que o próximo presidente tenha sucesso. Eu quero garantir que a passagem de bastão seja bem executada, porque acima de tudo estamos no mesmo time”.
Do Brasil, lembremos a civilizada passagem de bastão do governo FHC para Lula (2002).
Um outro aspecto a qualificar esse rito democrático é o dever de o governo vigente agir com máxima transparência sobre as contas públicas. Essa prestação de contas antecipada é um dever republicano, essencial para o fiel diagnóstico da gestão, que permite aos eleitos propor ajustes orçamentários e avaliar a continuidade de políticas públicas. Legislações disciplinando as transições de governo e o papel de órgãos de controle, como os Tribunais de Contas, existem desde 2002. Começou no âmbito federal e hoje é realidade em Estados e Municípios. A propósito, em Pernambuco, a lei de transição, de 2014, é de autoria da então deputada Raquel Lyra, hoje governadora eleita. Histórias e destinos. Lembrando que essa nossa boa tradição começa, em 1644, com “O Testamento Político de Nassau” a um futuro governante.
Que capitólios, metaversos conspiratórios, vivandeiras de quartéis, silêncios e sigilos fiquem no passado. Os desafios reais do presente já são suficientes, exigem trabalho adulto, lucidez e distância de ilusões e heroísmos.
Viva a República! Salve a Democracia!
Valdecir Pascoal – Conselheiro TCE-PE