O TCE-SP publicou em seu site artigo intitulado “Breves considerações sobre a Lei Complementar nº 173, de 2020”, de autoria do Secretário-Diretor Geral daquela Corte, Sérgio Ciquera Rossi.
Pela relevância do tema, a Atricon reproduz o artigo:
Breves considerações sobre a Lei Complementar nº 173, de 2020
Estas considerações não apresentam o entendimento ou a interpretação mais adequada, mas pretendem tão-somente estabelecer ambiente de discussão que ofereça rumos às decisões de gestores públicos.
A Lei Complementar nº 173, de 27 de maio de 2020, diz no seu artigo 1º: “Fica instituído, nos termos do art. 65 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, exclusivamente para o exercício financeiro de 2020, o Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus SARS-CoV-2 (Covid-19).”
Pois bem. A Lei em referência pode ser dividida em três partes. Essa divisão busca facilitar a identificação dos dispositivos que interessam aos nossos objetivos, quais sejam, o estabelecimento de orientação aos atos de despesas de pessoal sob responsabilidade dos correspondentes gestores.
Tal Lei veio fundada no artigo 65 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que trata do estado de calamidade pública e, como tal, tem tempo certo de duração, num primeiro momento, de 27 de maio até esgotado seu prazo de vigência – no caso do Estado de São Paulo, até 31 de dezembro de 2021, consoante regramento homologado pela Assembleia Legislativa do Estado.
A primeira parte da Lei desde o § 1º ao artigo 6º, e seus parágrafos, cuida do auxilio financeiro da União a Estados, Distrito Federal e Municípios destinado ao combate à pandemia e das outras tantas providências para as dívidas entre uns e outros e, bem assim, cria condições mais flexíveis para as operações de crédito.
Vale observar que nessa primeira parte da Lei cuidou-se da suspensão e da dispensa de regras da LRF, tais como a necessidade de compensação para a concessão e a ampliação de incentivos e benefícios tributários, como preceitua o inciso II, do artigo 14. Igualmente são dispensadas as medidas de estimativa para realização das despesas de caráter continuado estipuladas nos artigos 16 e 17, por ter desobrigada, também, a observância dos limites previstos no § 3º, do artigo 23, impeditivo ao recebimento de transferências voluntárias. Da mesma maneira, estão dispensados os requisitos exigidos nos artigos 32 e 40, todos da LRF.
Os §§ 1º e 2º do artigo 3º cuidam de fixar que essas condições são válidas enquanto perdurar o Programa de Enfrentamento e estão sujeitas a todas as exigências da transparência e da fiscalização pelos órgãos de controle correspondentes. Essa mesma exigência está disposta no § 5º do artigo 2º.
A segunda parte da lei introduz alterações definitivas na LRF, e não simplesmente suspensão. O artigo 7º diz que “A Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, passa a vigorar com as seguintes alterações”. Essas alterações são introduzidas nos artigos 21 e 65. O primeiro deles relaciona um número maior de exigências que, se não atendidas, configuram despesas de pessoal nulas de pleno direito. Já em relação ao artigo 65, são incluídas condições de facilitação para as operações que elenca, cuja aplicação fica restrita às Unidades da Federação atingidas e enquanto perdurar o estado de calamidade. Por fim, a terceira parte da Lei encontra-se sediada nos artigos 8º e 10.
É no referido artigo 8º que estão arroladas práticas que merecerão a plena atenção de ordenadores de despesa, anotando-se que serão de cumprimento obrigatório no período que conta da sanção da lei (27/05/2020) a 31 de dezembro de 2021. São nove incisos e seus parágrafos.
No inciso I, a proibição é de conceder para membros, servidores, empregados e militares qualquer vantagem de ordem pecuniária em sentido amplo, ressalvando que tais vantagens serão mantidas se derivadas de decisão judicial transitada em julgado ou de determinação legal anterior à calamidade pública. Esse inciso há de ser interpretado em combinação com o IX, de tal modo que, do primeiro, extrai-se a conclusão de respeito ao direito adquirido, de maneira que os atos de concessão anteriores à calamidade pública estão preservados, sendo proibidas, no entanto, novas concessões da forma prescrita no inciso IX.
Em poucas palavras, se houve o completamento de certo tempo anterior à calamidade para obtenção de determinada vantagem, o ato de concessão poderá ser expedido normalmente, situação sempre possível ante a tramitação burocrática inerente ao processo.
Os incisos II e III impedem a aprovação de leis que criem cargos ou funções ou alterem estrutura de carreiras funcionais, das quais resultem aumento de despesa.
Já o inciso IV veda a contratação de pessoal a qualquer título, mas admite aquela destinada à reposição de cargos de chefia, direção e assessoria, além de reposições, no caso de vacância, de cargos efetivos ou vitalícios.
O inciso IV, do artigo 9º, há de ser interpretado em combinação com o artigo 10, que estabelece a suspensão do prazo de validade dos concursos já homologados até o término do estado de calamidade.
A interpretação do inciso IV com o artigo 10 configura o princípio da especialidade em que um dispositivo pormenoriza regra de ordem geral. No caso, o inciso IV não implicará na suspensão do prazo de validade do concurso que tenha sido realizado para restabelecimento do número de servidores do quadro, cuja nomeação decorre de um dos casos de vacância; portanto, é possível a nomeação se decorrente dessa condição. Esse entendimento ganha força se analisado com o inciso V, que proíbe a realização de concursos no período, salvo se destinados ao preenchimento de vacâncias.
Em relação ao inciso VI, basta estender o entendimento sustentado em relação ao inciso I, restando tão-somente avaliar o alcance e a extensão da expressa determinação legal que pode não estar jungida exclusivamente à Lei.
O inciso VII não traz nenhuma novidade; limita-se a proibir a criação de despesa obrigatória, com as exceções contidas nos §§ 1º e 2º do artigo 9º. A seguir, o inciso VIII proíbe “adotar medida que implique reajuste de despesa obrigatória acima da variação da inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo”, observada a cautela contida no inciso IV, do artigo 7º, que modificou o artigo 21 da LRF.
O último inciso, IX, suspende a contagem de tempo de serviço para o propósito lá referido, preservando-o para fins de aposentadoria. Em poucas palavras, haverá uma interrupção na contagem de tempo, entre 27 de maio de 2020 e 31 de dezembro de 2021, para a concessão de adicionais por tempo de serviço, sexta parte (no caso do Estado) e blocos de licença-prêmio, merecendo atenção o § 3º, que admite a inclusão de condições na LDO e LOA “vedada qualquer cláusula de retroatividade”. Certamente o intuito é o de evitar a formação de passivos de grande monta.
O artigo 10 limita-se a promover a suspensão do prazo de validade de concursos homologados na vigência da calamidade pública. O preceito, induvidosamente, visa preservar o direito de candidatos aprovados com homologação autorizada de verem respeitados os direitos de nomeação que estão ameaçados de postergação diante da dramática situação orçamentário-financeira que assola a Administração.
Assim, parece que essa decisão fica reservada à autoridade responsável, que, se escorada na existência de recursos para fazer frente às despesas, poderá nomear candidatos aprovados em concursos para preenchimento de reposição de vagas decorrentes de vacância e, só nestes casos, tudo na conformidade dos incisos IV e V do mesmo artigo 9º.
De certo que essas breves considerações não esgotam a matéria, de maneira que serão extremamente úteis opiniões que estabeleçam salutar conflito, o qual, dissipado, levará à melhor solução e à preservação das autoridades responsáveis.
Desnecessário, ainda, afirmar que se trata de opinião pessoal desprovida de qualquer vinculação.
* Sérgio Ciquera Rossi é Secretário-Diretor Geral do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo