Inaldo da Paixão
É com profunda honra e emoção que redijo este texto sobre o Tribunal de Contas do Estado da Bahia (TCE/BA). O motivo ultrapassa o simples marco cronológico: são 110 anos de história, de um trabalho, muitas vezes silencioso, mas incansável, de compromisso com a Bahia e com o Brasil.
Em 1915, quando o TCE/BA foi instituído, o país ainda buscava consolidar suas instituições republicanas e o mundo estava sob o domínio do segundo cavaleiro do Apocalipse. A Bahia, berço da independência e da liberdade brasileira, deu mais uma vez um passo à frente: instituía um órgão destinado a ser a consciência vigilante das finanças públicas.
Se, ao longo da história, a Bahia ofereceu ao Brasil exemplos de coragem e resistência, o nosso Tribunal de Contas ofereceu – e continua oferecendo – o exemplo de responsabilidade e de zelo com o patrimônio coletivo.
Permitam-me uma imagem: o Tribunal de Contas da Bahia é como o Farol da Barra, que há séculos guia navegantes na entrada da Baía de Todos-os-Santos. Assim como o farol, a Casa de Auditoria da Bahia nunca se apaga, está sempre iluminando os caminhos da boa gestão, prevenindo naufrágios administrativos e lembrando aos navegantes da política que a rota do governo deve ter um destino certo: o bem-estar do povo baiano.
Ao longo de mais de um século, essa instituição compreendeu que fiscalizar não é apenas vigiar e punir. Fiscalizar é educar. Fiscalizar é orientar. Fiscalizar é, em essência, fortalecer a democracia.
Mesmo porque não existe democracia sem transparência. Não existe Estado forte sem contas claras e objetivas. E não existe cidadania plena sem que cada cidadão possa confiar que o dinheiro público está sendo aplicado em saúde, educação, infraestrutura e dignidade para todos.
Nos últimos anos, o TCE/BA tem dado passos firmes em direção à modernidade. Hoje falamos em auditorias digitais, em controle baseado em dados, em sustentabilidade, em monitoramento de políticas públicas à luz da Agenda 2030 da ONU, em consensualismo.
Esse avanço é mais do que tecnológico: é civilizatório. Significa compreender que o controle não pode ser apenas um freio: deve ser também um motor de transformações, uma ponte que liga o presente ao futuro, que conecta as demandas sociais à responsabilidade de governar.
Mais do que números, o Tribunal lida com vidas. Ao examinar as contas do Poder Executivo, ao fiscalizar um programa de governo, essa Casa está cuidando de crianças que precisam de escolas, de mães que precisam de hospitais, de comunidades que precisam de saneamento.
Celebrar 110 anos é reafirmar que a missão do controle externo não se esgota na letra fria dos balanços contábeis. É também um ato de empatia social, de compromisso com os mais vulneráveis, de lembrança de que cada cifra corresponde a um direito.
Nenhuma instituição sobrevive mais de um século sem o esforço de pessoas dedicadas. Hoje e sempre, é justo render homenagem a todos os colaboradores, servidores e membros que, ao longo da história, construíram e constroem esse Tribunal com seu trabalho diário, com sua integridade e com sua competência.
E é também justo lançar um olhar ao futuro. Que as novas gerações de auditores, técnicos, procuradores de contas e conselheiros dessa Casa entendam que sua missão vai muito além da análise contábil. Trata-se de guardar o bem comum e de inspirar confiança na sociedade.
Como defenderam Caetano e Gil, filhos desta terra, eu também acredito que um dia tudo será diferente. A Bahia sempre ensinou ao Brasil que “esperançar” é também uma forma de governar, que a esperança é também política pública.
Ao celebrarmos 110 anos do Tribunal de Contas do Estado da Bahia, reafirmamos que esse futuro diferente é construído quando se planta transparência e ética para colher justiça social. O canto dos nossos artistas ecoa no trabalho dessa Casa: a certeza de que é possível unir sonho e responsabilidade, poesia e gestão, coração e razão, trabalho e fé.
E se a Bahia é também a terra de Castro Alves, o poeta dos escravizados, é inevitável recordar que a função maior de qualquer instituição é a libertação: libertar da opressão da desigualdade, libertar da corrente do descaso, libertar do silêncio da injustiça, libertar das inverdades. A cada auditoria, a cada parecer, a cada decisão, o TCE/BA reafirma que seu papel não é apenas – repiso – vigiar e punir, mas informar ao povo e libertá-lo. Porque, como diria o poeta, “a praça é do povo, como o céu é do condor”. E essa Casa de Auditoria é, há 110 anos, a praça da cidadania, aberta, viva e luminosa, trabalhando para o exercício da cidadania plena, construindo coletivamente um mundo no qual igualdade não seja privilégio, mas direito.
Antes do fim, preciso falar do nosso patrono Ruy Barbosa. E o faço, na condição de Vice-presidente de Auditoria do Instituto Rui Barbosa (IRB), rememorando um episódio pouco citado pelos juristas da vida desse inigualável baiano, que demonstra o quanto a paixão nos move. Ele, durante o seu exílio forçado, quando percebeu que havia perdido a terra de vista, que era o Brasil, escreveu para a sua amada Maria Augusta Viana Bandeira dizendo que, apesar disso, jamais sua alma perderia a vista dela.
Assim como Ruy Barbosa, o Tribunal de Contas do Estado da Bahia jamais perderá o cidadão de vista, por mais distante que esse cidadão esteja nesta tão desigual ou “dessemelhante” Bahia, como já afirmado pelo poeta Gregório de Matos e Guerra, alcunhado de Boca do Inferno, pois ele – o cidadão – é a razão da nossa missão e a base sólida dessa instituição histórica e mais do que centenária.
Permitam-me concluir, por fim, com as palavras do educador baiano Anísio Teixeira. Ele, que se vivo estivesse completaria 125 anos de existência em 2025, disse: “Educar é crescer. E crescer é viver. A educação é, assim, a própria vida”.
A essa frase, ouso acrescentar: fiscalizar é educar. E educar, como ensinava Anísio, é libertar.
Que os próximos 110 anos do Tribunal de Contas do Estado da Bahia sejam de ainda mais luz, como o farol que nunca se apaga, como a consciência que não se cala, como a voz serena que lembra a cada governante: o dinheiro do povo deve servir ao povo.
Inaldo da Paixão conselheiro do TCE-BA e vice-presidente do IRB