TCE-PB: da cultura do poder ao poder da cultura

A mais de 470 quilômetros de distância da sede do Tribunal de Contas da Paraíba, moradores de Monte Horebe (cidade do extremo oeste do Estado) assistiram pelo telão as apresentações de artistas que viajaram mais de sete horas para estrear no palco do Centro Cultural Ariano Suassuna. Do telão instalado na praça da cidade, eles puderam acompanhar números de danças, de teatro, recital de poesias e repente de viola. Tudo, ao vivo. No Centro Cultural do TCE-PB, a plateia também se encantava com as descobertas dos talentos que o município sertanejo trouxe para a segunda noite do projeto ‘Raízes Paraibanas’. Como definiu o secretário de Cultura do Estado, Pedro Santos, era a “reconexão” da Capital com o interior e do interior com a cidade grande.

O projeto pioneiro do Tribunal de Contas do Estado da Paraíba traz, para apresentações em João Pessoa, artistas e grupos culturais que recebem apoio das gestões municipais. A ideia é promover, divulgar e apoiar a cultura do interior. São duas cidades que se apresentam à cada mês. As apresentações são como réguas que dimensionam o tamanho dos investimentos feitos pelos gestores municipais também em ações sociais. Na grande maioria, os grupos são formados por crianças e adolescentes que, antes, viviam em situações de vulnerabilidade social e encontraram na música, na dança, no teatro e na pintura, a chance de virar o jogo.

Artistas de Princesa Isabel abriram o projeto ‘Raízes Paraibanas’

Nominando conta que a ideia surgiu quando fazia visitas às cidades do interior, em cursos de capacitação dos gestores, no programa ‘TCE Itinerante’. Ele aproveitava para conversar pessoalmente com prefeitos, vereadores e outros gestores públicos, como diretores de escolas municipais, mas notou que na recepção sempre havia apresentação de grupos de cultura popular. “Observei que havia um potencial artístico muito forte nessa cidades e que a Capital não conhecia. João Pessoa tem milhares de moradores que vieram do interior. Então pensei em trazer uma amostra desse rico acervo cultural para matar a saudade de quem há muito tempo não foi à sua terra natal, ao mesmo tempo em que mostrava que a cultura popular resistia pelo interior paraibano”, disse.

Conselheiro Nominando Diniz, presidente do TCE-PB

O projeto “Raízes Paraibanas” foi idealizado pelo presidente do TCE-PB, conselheiro Nominando Diniz. Conta com apoio do Governo do Estado e das prefeituras, que viabilizam a vinda dos artistas para João Pessoa. Muito deles conheceram a capital paraibana por conta dessas viagens. 

Na primeira noite do “Raízes Paraibanas”, o secretário estadual de Cultura, Pedro Santos, foi assistir as apresentações. “Pra quem é de João Pessoa é natural, por estar mais próximo de tudo que é produzido, mas quando você olha para o interior da Paraíba, encontra referências que ajudam explicar o que é a Capital. É um evento também de reconexão. Eu vi muitas pessoas que moram em João Pessoa, que são do interior, e têm a oportunidade de se encontrar e reviver a cultura do Estado”, disse.

O projeto ainda tem outra vertente. Pela qualidade dos grupos e pelo trabalho social que está por trás deles, o TCE-PB tem ideia dos investimentos proporcionados nessas áreas. O município de Princesa Isabel abriu a edição do projeto “Raízes Paraibanas”. É a terra natal do presidente do TCE-PB. O prefeito do município, Ricardo Pereira, comentou a oportunidade de valorizar os artistas que viajaram 420 quilômetros para se apresentar no palco do Centro Cultural Ariano Suassuna, do TCE-PB. Princesa Isabel tem pouco mais 21.114 moradores, com escolarização de 95,7%. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) chega a 0,606.

Princesa Isabel fica no Alto Sertão paraibano e foi representado por diversos grupos de artistas, como ficou registrado no vídeo da assessoria do Tribunal de Contas do Estado (assista o vídeo da TV TCE-PB). O município apresentou grupos como o ‘Nova Geração’, formado por crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade; e o ‘Abolição’, que trouxe um espetáculo musical, recheado de coreografias, danças regionais e seus 22 componentes num figurino a caráter. Sandro Mandú, coordenador do Grupo Cultural Abolição, enfatizou a importância do Tribunal de Contas da Paraíba realçar as políticas públicos dos municípios voltadas para cultura popular. “Nós precisamos valorizar a cultura, não só a nordestina, como de todo o Brasil, que é um dos países que tem mais cultura, mas ainda é pouco valorizada”.

Fazer cultura é fazer eventos como esse, proporcionando aos grupos e artistas essas apresentações. É uma noite histórica para Princesa Isabel e seus artistas, ainda mais num palco como esse, que leva o nome do escritor Ariano Suassuna. O Tribunal de Contas proporciona uma oportunidade única a todos nósRICARDO PEREIRA, Prefeito de Princesa Isabel

Todas as apresentações ocorrem no palco do Centro Cultural Ariano Suassuna, um prédio anexo construído para receber uma diversidade de manifestações culturais e que virou um espaço nobre para apresentações individuais e de grandes grupos, como as orquestras sinfônicas da Paraíba e de João Pessoa.

O Centro Cultural Ariano Suassuna foi inaugurado pelo TCE-PB em dezembro de 2014. No local, funciona também a Escola de Contas Otacílio Silveira e a biblioteca Otávio de Sá Leitão. O auditório Celso Furtado tem 426 poltronas e é lá onde ocorrem as apresentações do projeto “Raízes Paraibanas”.

É um anexo do Tribunal de Contas da Paraíba, construído na gestão do conselheiro Fábio Nogueira. Uma edificação de aproximadamente seis metros quadrados, onde também funcionam a Escola de Contas Conselheiro Otacílio Silveira (Ecosil), a Biblioteca Otávio de Sá Leitão e um salão de exposições, invariavelmente ocupados por obras de artistas paraibanos.

Ex-presidente da Atricon (Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil), Fábio Nogueira faz questão de salientar que o o Centro Cultural Ariano Suassuna, foi concebido “a partir da percepção de que arte, cultura e controle não são incompatíveis. E também de aproximar o Tribunal de Contas da sociedade”.

Centro Cultural Ariano Suassuna, prédio anexo do TCE-PB FOTO: Ascom/TCEPB

Ele observa que os tribunais de contas, a partir de sua própria natureza, “sempre tiveram uma postura mais fechada e equidistante da sociedade”. Fábio Nogueira. o centro Cultural tem recebido gestores, não só para cursos de especialização e aprimoramento da máquina pública, mas também o que os município têm de melhor em sua essência, que são as demonstrações de cultura popular”.

Visibilidade e apoio à cultura

Pedro Santos, que representou o governador do Estado no lançamento do projeto do TCE-PB, João Azevêdo, saiu com uma boa impressão do que assistiu. “É muito bom ver as instituições, que não têm a cultura como foco principal, mas que entendem a importância. Então, o Tribunal de Contas do Estado está de parabéns. É papel do Estado fomentar e dar visibilidade àquela cultura que é produzida fora dos grandes centros urbanos”, pontuou.

O conselheiro Nominando Diniz disse que a ideia de cultura popular é valorizar a arte produzida pelos nativos, que envolve cidadãos de uma cidade ou de uma região do Estado, ao contrário de grandes produções, contratadas em períodos de festas grandiosas promovidas por municípios, que muitas vezes estão com as contas públicas em situação de alerta, mas insistem em promover eventos pagando contratos caros.

Na mesma semana da estreia do projeto ‘Raízes Paraibanas’, o Tribunal de Contas da Paraíba divulgou um relatório sobre gastos dos festejos juninos pelas prefeituras municipais. Os números confirmam a inversão dos valores culturais. Os achados da auditoria apontaram despesas excessivas com festas juninas com atrações nacionais, muitas delas sem qualquer identidade com a região Nordeste, muito menos com a autêntica cultura paraibana.

De maio a julho de 2023, saíram dos cofres públicos de 202 municípios da Paraíba, mais de R$ 54 milhões e 237 mil. A soma de todos esses gastos representaram mais de 20% do que em 2022 com os festejos juninos, segundo o Relatório Consolidado da Esfera Municipal elaborado pela auditoria do Tribunal de Contas da Paraíba. 

O documento aponta, em 61 cidades, “aumentos não justificados desses gastos”. Em outras 130, as festividades ocorreram em período de calamidade pública reconhecido por decreto estadual. Os auditores constataram, além disso, que a situação de déficit orçamentário não impediu a realização dessas festas em 114 municípios. Em 177 deles, ocorria, na ocasião, o não cumprimento integral ao piso nacional do magistério. Como se observa no infográfico à direita, investimento de parte dessa dinheirama poderia ser canalizado para apoio à cultura popular.

Esses gastos serão objeto de análise dos conselheiros e podem reprovar a prestação de contas dos prefeitos municipais, caso eles não consigam explicar, tecnicamente e juridicamente, como suas gestões mesmo em situação de calamidade pública, com decretos reconhecidos pelos Governo do Estado e Federal, preferiram torrar tanto dinheiro nas fogueiras das grandes produções nacionais. Alguns dos cachês pagos a um só show, que em média dura no máximo duas horas, beiram os R$ 500 mil.

Políticas públicas transversais

No palco do Centro Cultural Ariano Suassuna, a cultura popular foi quem deu o tom. A segunda noite do projeto foi também numa sexta-feira (29 setembro). O município de Monte Horebe encantou a plateia com as apresentações dos seus grupos. A primeira apresentação da noite foi com a Orquestra de Violinistas Acordes do Monte, formada por alunos do Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV). O prefeito do município, Marcos Heron, garante que cerca de 500 crianças e adolescentes são atendidos pelo programa e 50 integram a orquestra e a banda marcial. Algumas dessas crianças participam da orquestra, da banda e ainda fazem apresentações solos. É o caso de Pedro Emanoel, de 11 anos, que tocou violoncelo e violino na orquestra; e ainda se apresentou ao lado do maestro Edilson Ferreira (violão), arrancando das lâminas da lira marcial a execução da música ‘Anunciação’, do cantor e compositor pernambucano Alceu Valença.

A quadrilha junina Vozes do Sertão, que é a mais tradicional do município, também fez seu show na segunda apresentação. Com mais de cinco anos de existência, o grupo conquistou grande relevância cultural na região. A quadrilha levou para o palco um pouco da história e das lendas do cangaço.

A Banda Marcial Princesa Serrana, criada em 2017, utiliza duas classes de instrumentos (metais e percussão) e foi a segunda a se apresentar. Encerrando a noite de Monte Horebe, teve a apresentação “Repente ao Som da Viola”, com o poeta Levi Bezerra, além do lançamento do livro do autor horebense José Oliveira Costa. Tudo transmitido online pela equipe da prefeitura para um telão instalado na praça central da cidade.

Entusiasmado, o prefeito Marcos Eron também aproveitou para postar em suas redes sociais vários vídeos das apresentações.

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O diferencial do município de Monte Horebe, argumentou o prefeito, é que o trabalho de assistência social atua com outras ações transversais de diferentes secretarias municipais. Os alunos de música recebem os instrumentos adquiridos pela gestão, que faz um trabalho junto à sociedade para doação de parte da restituição do impostos de renda para retroalimentar esses projetos do Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos.

O beneficio fiscal decorrente da destinação de 6% do Imposto de Renda devido a projetos culturais aprovados pelo Ministério da Cultura é um direito assegurado a qualquer cidadão, chancelado pela Receita Federal do Brasil. O valor do incentivo é calculado com base no valor do imposto devido e não entra como dedução.

As crianças assistidas pelos programas sociais também participam de atividades esportivas e dispõem de reforça de aulas nas escolas de tempo integral. Marcos Eron disse que o objetivo é aumentar o número de crianças e adolescentes atendidos pelos projetos.

Nós temos cuidado bem da cultura, da educação. Nossas praças têm biblioteca, ao invés de bares. Nós implantamos o projeto ‘Cidade Educadora’, que nasceu em Barcelona e nós implantamos no nosso município. No Brasil, só tem 37 cidades que implantaram esse programa. Na Paraíba, só Monte Horebe. A educação não se faz somente dentro das salas de aula. E nós estamos avançando significativamenteMARCOS ERON , prefeito de Monte Horebe

O professor e Doutor em Educação, Moaci Carneiro, num artigo que escreveu para a revista que o Tribunal de Contas da Paraíba editou para marcar a inauguração do Centro Cultural Ariano Suassuna, falou da “cultura do poder e o poder da cultura”. Ele definou como um “semblante sisudo e de pouca irradiação” o perfil dos tribunais de contas do país, conforme a percepção da sociedade. Isso foi em dezembro de 2014. Nove anos depois, esse retrato em preto e branco ganhou tons fortes e cores mais alegres.

O Tribunal de Contas do Estado da Paraíba tem amealhado repetidos elogios por sua atuação como órgão de controle externo e por esses novo olhar sobre as políticas públicas direcionadas para educação, arte, cultura e inovação. ‘Raízes Paraibanas”, acredita o presidente do TCE-PB, “está fazendo história ao oportunizar espaços para que a cultura popular se apresente num lugar que é seu, por merecimento”.

https://youtube.com/watch?v=MZJPwY53740%3F

Fonte: foradoeixo.rec.br