Tentações

 O filósofo grego Epicuro (341-270 a.C.), com ironia, aconselhava: “Quando a tentação chegar, ceda logo, antes que ela vá embora”. No caso do administrador público, recomenda-se muita cautela na aplicação dessa orientação, ainda mais em ano eleitoral.

 Em 2016, teremos eleições municipais no país. Repetidos casos de desrespeito a leis e normas constitucionais levaram o legislador a colocar travas na ação de agentes políticos e administrativos. Como exemplo, há a proibição, na Lei de Responsabilidade Fiscal, de se assumir despesas que não tenham suficiência de recursos em caixa para sua cobertura. Esses instrumentos têm se revelado muito importantes na gestão e na governança, contribuindo para a probidade, a transparência e o equilíbrio das contas públicas, além de atuarem em defesa da paridade de armas na escolha dos nossos representantes. E os Tribunais de Contas, como no caso do Rio Grande do Sul, atuam permanentemente na orientação acerca desses temas.

 O último ano de mandato, porém, continua exercendo forte tentação para quem tem uma disputa eleitoral pela frente. São inúmeras as irregularidades ainda praticadas, as quais, muitas vezes, acabam gerando a responsabilização de gestores públicos.

 Via de regra, esses administradores são bem-intencionados, embora haja aqueles descuidados, inescrupulosos ou omissos. Ao contrário do que se possa imaginar, grande parte dos problemas não decorrem de nenhum desses comportamentos, e sim da equivocada avaliação de riscos e das consequências dos respectivos atos. Ou, simplesmente, do não saber “dizer não”.

 Com frequência em ano eleitoral – mas não exclusivamente -, os aliados políticos clamam por serviços, obras e auxílios que podem afrontar a lei de licitações ou que não cabem nos limites dos orçamentos apertados. Ao mesmo tempo, sempre há os pleitos por anistias em relação a valores devidos à fazenda pública, além das pressões maiores do funcionalismo por aumentos salariais.

 Sob a pressão de demandas e cobranças variadas, aliadas à tentação de ver seu atendimento refletido nas urnas, há gestores que acabam se expondo à possibilidade de responderem pessoal e patrimonialmente por atos enquadrados como improbidade ou crime, além de multas e julgamento de contas como irregulares.

 É aqui que Epicuro se encontra com um bordão brasileiro contemporâneo: “Muita calma nessa hora” é um conselho que bem serve para balizar o comportamento de quem, tendo o ônus de decidir, deve se conduzir com ponderação e respeito às muitas regras vigentes.

 Em ano eleitoral não se deixa de governar; as demandas da população – legítimas ou não –, permanecem. Mas é imprescindível que os cidadãos e os movimentos que reivindicam e, principalmente os agentes públicos, tenham presente a sua grave responsabilidade em relação ao patrimônio e ao orçamento.

 E não será demasiado lembrar àqueles que têm o compromisso de decidir: a solidariedade e o entusiasmo que marcam os dias de glória comumente acabam na hora do desembarque dos cargos. Se há a solidão do poder, o isolamento é maior quando este se esvai, deixando, por vezes, os pesados encargos da atitude irrefletida ou temerária sobre os ombros de um ou de poucos. Melhor não ceder a essas tentações.

Cezar Miola é Conselheiro Ouvidor do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul.