*Dimas Eduardo Ramalho
Reformas estruturais das instituições públicas podem decorrer de revoluções, que alteram o cenário político abruptamente, ou se dão quase a conta-gotas, exigindo noção de perspectiva para se enxergar evolução concreta. Essa dinâmica incremental relaciona-se mais com a prática da democracia.
Em outubro, os 5.570 municípios brasileiros elegerão prefeitos e mais de 57.300 vereadores, reafirmando a legitimidade que se busca alcançar com o atual sistema de escolha dos representantes do povo.
A complexidade do processo é incontroversa e exige um aparato estatal descomunal para a concretização apenas do escrutínio. Entretanto, os grandes desafios estão relacionados à tutela da probidade administrativa e da moralidade para o exercício do mandato.
Os escândalos de mau uso do dinheiro público, dos quais ficamos sabendo nos últimos anos, infelizmente não surgiram ontem. O fato é que jamais havíamos visto o país assim eviscerado. A verdade choca mas também traz a inquietude necessária para que surjam iniciativas inovadoras, que podem canalizar o assombro da sociedade em direção ao aprimoramento do sistema eleitoral.
Um exemplo de mecanismo que respeitou a lógica democrática e já apresenta resultados é a Lei Complementar 135, de 2010, ou Lei da Ficha Limpa, deflagrada pela iniciativa popular. Graças a ela, os tribunais de contas se transformaram em um filtro ainda mais importante, que identifica e expõe aqueles que receberam a confiança do eleitor, mas não honraram os princípios da administração pública.
Quando as contas de um gestor público são declaradas irregulares, ele passa a constar de uma lista a ser analisada minuciosamente pela Justiça Eleitoral, que pode impedi-lo de disputar votos por oito anos.
Em 2012, somente o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo vetou 360 candidaturas a prefeito, vice-prefeito e vereador com base na Lei da Ficha Limpa. Dessas, 219 (61%) negativas se basearam em gestões reprovadas pelos tribunais de contas.
A lista a ser entregue neste ano pelo Tribunal de Contas de São Paulo ao Tribunal Regional Eleitoral do Estado, até 15 de agosto, terá aproximadamente 3.500 nomes de agentes políticos, ordenadores de despesas municipais e estaduais e responsáveis por entidades do terceiro setor que tiveram suas contas julgadas irregulares desde 2 de outubro de 2008.
Essa mesma relação de nomes é mantida permanentemente no site do Tribunal de Contas, com atualizações mensais, para que a sociedade possa acompanhar e cobrar seus representantes.
Além de filtrar quem errou no passado, o tribunal estará atento para identificar gestores públicos que ignorarem normas feitas para assegurar uma disputa equilibrada.
A Lei de Responsabilidade Fiscal, por exemplo, tenta evitar o comprometimento das contas para o mandato seguinte, proibindo que se façam despesas não cobertas pela receita prevista. Já a Lei Eleitoral se preocupa com o uso da máquina estatal na campanha, vetando aumentos e restringindo publicidade oficial.
As regras são rígidas, mas não exigem nada além de moralidade e razoabilidade, algo esperado de quem cuida do dinheiro público.
Todas representam mecanismos de aperfeiçoamento do processo eleitoral, que não prescinde da contribuição dos tribunais de contas. É necessário, contudo, que o país continue inovando, para catalisar a depuração do sistema e o aprimoramento da democracia.
*Dimas Eduardo Ramalho – Presidente do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCESP).