Uma amarelinha diferente

Quem há muito acompanha meus escritos, que sempre estão ávidos por novos leitores, sabe o quanto, para mim, o sufrágio significa recordar. Aqui mesmo já declarei à saciedade que é bom voltar e votar no Luiz Viana.

Antes que pensem que estou a fazer uma propaganda política de forma subliminar – o que repudio, pois repilo aqueles que procedem escamoteadamente – apresso-me a dizer que me refiro tão somente ao antigo colégio Centro Integrado de Educação Conselheiro Luiz Viana, local onde vivi suaves momentos. Essa escola foi responsável pelo que hoje sou, como também, nos meus momentos reflexivos, cobra-me o que preciso ser.

Quando ali estudava, achava bonito o nome “conselheiro”, mesmo sem saber, à época, o que significava, sem jamais imaginar que um dia viria a sê-lo.

Não escrevo para falar de eleição, pois, findo o calor do processo, cabe ao vitorioso cumprir o que prometeu. Caso contrário, compete ao povo, resignadamente, daqui a quatro anos, fazer diferente ou pelo menos tentar.

Tampouco uso este espaço para revelar cenas do meu passado, embora essa catarse, por vezes, me faça bem.

O azo do meu escrevinhar é para discorrer a respeito de um “jogo de amarelinha”. Mas não sobre o romance Rayuela, escrito por Julio Cortázar, em 1963. O tema deste artigo é a brincadeira infantil “que consiste em pular num pé só sobre casas riscadas no chão, exceto aquela em que cai a pedra que marca a progressão do brincante”, como friamente conceitua Aurélio, e que meu caçula nunca brincou, nem sabe o que é.

Na minha infância, o nome do jogo era “pular macaco” (se duvidar, consulte o Dicionário de Baianês, de Nivaldo Lariú), pois amarelinha era coisa de paulista “fresco” e não se jogava com pedras, mas com cascas de bananas, cuidadosamente, dobradas.

Embora fosse brincadeira de “meninas”, muito pulei pelas casas numeradas de 1 a 8, partindo do inferno para se chegar ao céu. Esse era o objetivo: chegar ao paraíso, conquistar a morada das estrelas. Naqueles tempos, de forma inocente, compreendia, embora erroneamente, que, se mais alta fosse a nota, mais próximo estaria do estrelato.

Mas, antes que meu caro leitor faça uma nova pergunta para saber aonde eu quero chegar, informo o porquê da relação entre o ato de votar e o de jogar amarelinha. A explicação é simples, pois, ao depositar, mais uma vez, minha esperança na democracia, vi, desenhado no chão da escola na qual estudei, uma amarelinha diferente.

Nela, não havia nem céu nem inferno, apenas um conjunto de 11 casas (coincidentemente, o mesmo número de séries que percorri do 1º ano do ensino primário ao 3º ano do segundo grau). Em cada casa, não havia um número, “uma nota”, mas, substantivos abstratos de valor concreto. São eles: respeito, bondade, lealdade, diálogo, compartilhamento, humildade, coragem, fé, afetividade, gratidão e amor.

Não sei como se deu o processo e quem desenhou a estranha e bela amarelinha, mas, logo comecei a refletir sobre a mensagem. Não importa em qual estágio da vida nos encontremos. Para crescer, como pessoa, precisamos observar valores. Ou seja, o bem viver não depende dos números do ter, mas apenas dos valores do ser.

Sei que a educação escolarizada impõe a necessidade de estudar muito, de tirar boas notas, de ter conhecimento. São muitas disciplinas a serem vencidas: matemática, português, história, geografia, física, química, religião, entre tantas outras. Poucas, todavia, que inspiram o ser.

Embora eu considere um certo exagero a quantidade de conhecimento que se tenta inculcar nos nossos jovens, principalmente quando se compara com a forma de ensinar em outras nações mais avançadas, como discutir com os entendidos?

Creio, apesar disso, que uma escola deve oferecer bem mais do que “conhecimentos”. Uma verdadeira escola nova deve mais do que reproduzir conteúdos (por que esse, e não aquele?), trabalhar valores, como os descritos, curiosamente, na estranha amarelinha.

E, se assim for, tenho certeza de que, nas eleições vindouras, o ato de votar será mais fácil, pois, cada vez mais, a sociedade freiriana conscientizada saberá distinguir o bom e o justo, do empulhador. Saberá escolher bem o candidato de valor. Pense nisso e, enquanto o amanhã não chega, vamos voltar a jogar amarelinha, ou melhor, pular macaco (sorrio).

(*)Mestre em Contabilidade. Conselheiro Presidente do Tribunal de Contas do Estado da Bahia. Professor. Escritor.

inaldo_paixao@hotmail.com