Na minha infância, a biblioteca da pequena escola estadual de ensino fundamental da vila tinha um acervo diminuto. Porém, naquele universo restrito de então, as poucas coleções pareciam algo grandioso. Ali, alguns de nós navegávamos por terras imaginárias, e assim também íamos alimentando o hábito da leitura.
Já no ensino médio, numa escola pública mais robusta, as opções eram maiores e o regime de internato nos permitia ler quase tudo o que se desejasse. E acreditando na professora que insistia: para bem escrever é preciso ler, “devorei” inúmeros dos clássicos nacionais e os então emergentes da cultura regional. Mas para quem estudava técnicas agrícolas, num tempo sem Google, só mesmo a companhia do dicionário para tentar entender machadianas como altercação, mancebo e outras expressões tão peculiares às suas narrativas.
O certo é que, lembrando de Drummond, havia uma biblioteca no meu caminho…
Assim, mesmo sem o saber, aprendi que desenvolvimento das habilidades cognitivas e de comunicação, aumento das capacidades de concentração e de atenção, além do incentivo ao pensamento crítico e ao raciocínio, são alguns dos benefícios do hábito da leitura. Quanto mais cedo essa prática for iniciada, maiores serão os impactos positivos, principalmente na aprendizagem de crianças e jovens. Em breve, os resultados da Pesquisa Retratos da Leitura – Biblioteca escolar, elaborada pelo Insper, encomendada pelo Instituto Pro-Livro, reforçará a importância da existência de bibliotecas nos estabelecimentos públicos e também nos particulares.
Segundo o estudo, que deve ser lançado em setembro, há uma relação entre a existência de bibliotecas e salas de leitura e um melhor desempenho escolar em Português e Matemática no ensino fundamental. O levantamento foi realizado no ano passado em 500 escolas públicas que atendem crianças do 1º ao 5º ano do ensino fundamental em 17 Estados brasileiros. A pesquisa também indica que essa relação se torna mais significativa quanto maior a vulnerabilidade social da região onde a escola está localizada.
A Lei nº 12.244/2010 determinou a universalização das bibliotecas nas instituições de ensino do País e estabeleceu até maio de 2020 para que a medida seja implementada. A instalação de bibliotecas ainda é referida, de maneira geral e sucinta, no Plano Nacional de Educação, mais especificamente nas Metas 6 e 7.
Há pouco menos de um ano de alcançarmos o prazo final previsto na Lei 12.244, no Brasil, de acordo com dados do Censo Escolar 2018, apenas 38% das escolas de educação básica oferecem bibliotecas aos seus alunos. O Rio Grande do Sul ocupa o terceiro lugar no ranking de Estados, tendo 62% dos estabelecimentos de ensino com esse equipamento. Apesar de destoar da realidade nacional, a situação ainda é distante do cenário ideal.
Mas a simples existência desse espaço não é suficiente. Muitos dos educandários que compõem os percentuais antes citados mantêm pequenas salas de leitura e possuem acervos desatualizados e pouco atrativos. Para que o incentivo à leitura seja efetivo, são necessários investimentos em recursos humanos, tecnológicos, pedagógicos e de infraestrutura, principalmente naquelas escolas que atendem a população mais carente. Não raro, a única oportunidade de contato dos estudantes com o universo dos livros é nesses ambientes.
A propósito, recente matéria do jornal Diário Popular narra a situação de escola de Pelotas, que, conforme ali dito, “se repete em centenas de outras da rede estadual de ensino”. Fala-se de bibliotecas fechadas, ou abertas em dias esporádicos, e ainda assim por iniciativas como as dos grêmios estudantis. Faltam bibliotecários e, não poucas vezes, o acervo é constrangedoramente jogado em qualquer espaço disponível, como se fosse um estorvo.
O triste resumo: carecemos de bibliotecas na maioria das escolas de educação básica do Brasil. E nas que elas existem, inúmeras são praticamente inacessíveis, relegadas à condição de mero depósito. Se um país de faz com pessoas e livros, é desolador constatar que estamos muito distantes dessa edificação. Por essas e outras, há momentos em que ficamos com a sensação de se estar vivendo uma perigosa guinada ao atraso. Mas sempre é hora de reverter a marcha insana. E a educação é o único remédio verdadeiramente eficaz.
– Artigo publicado originalmente no Jornal Gazeta do Sul.