Ao ritmo do “este é um país que vai pra frente”, na minha infância muito ouvi que as crianças eram (são) o futuro do Brasil. O que se prometia eram dias venturosos, mas que nunca chegaram para dezenas de milhões de brasileiros. Felizmente, na minha educação básica, tive acesso a boas escolas públicas, que contavam com muitos professores dedicados e capazes. Porém, inúmeros dos meus contemporâneos que testemunharam essa cantilena agora integram o universo de quase 12 milhões de analfabetos com mais de 15 anos (o equivalente à população da capital de São Paulo). Ou compõem o ainda mais expressivo contingente de analfabetos funcionais.
Passadas algumas décadas, o cenário permanece sem alterações significativas. Faltam vagas em creches para quase 8 milhões de crianças de zero a três anos; cerca de 2,5 milhões de brasileiros entre quatro e 17 anos estão fora da escola e metade dos estudantes na faixa dos oito anos é insuficiente em leitura e matemática (rumo certo para o abandono e mais analfabetismo). Sim, as necessidades do país são muitas, e as verbas, limitadas. Há déficits em quase todas as políticas públicas, e os gestores precisam para tudo olhar, agindo com equilíbrio e senso de justiça. Por isso, as dificuldades exigem discernimento, visão estratégica e definição de prioridades. Mas há uma única prioridade tratada pela Constituição como absoluta. Cuidar da criança e do adolescente é obrigação já dada pelo art. 227 da Lei Maior, não há o que debater. A Constituição não pode ser invocada apenas quando nos convém.
Assim, fica uma humilde conclamação àqueles que logo estarão nas ruas e na mídia em busca de votos: que a sociedade saiba, claramente, sobre o vosso compromisso quanto à educação básica, desde a creche, universal, de qualidade e com equidade. E de que forma vão cumpri-lo, aliando eficiência e probidade na aplicação dos recursos públicos necessários. Honrar essa palavra nos fará uma verdadeira república democrática, com respeito à dignidade humana, desenvolvimento e menos desigualdades. E para os seus artífices ficarão os lugares reservados na história aos estadistas.
Cezar Miola – conselheiro do TCE-RS