Conjur: métodos consensuais no TCU destravam investimentos, equilibram contratos e evitam disputas futuras

Portal Consultor Jurídico (ConJur) publica texto sobre a aplicação de métodos consensuais no TCU; Leia abaixo a íntegra.

Métodos consensuais para solucionar disputas entre a administração pública e empresas privadas destravam investimentos, evitam litígios e garantem segurança jurídica sem sacrificar a boa governança.

Essa é a opinião de especialistas no assunto consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico a respeito de iniciativas como a Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos (SecexConsenso), do Tribunal de Contas da União.

A criação da secretaria é alvo de uma ação movida pelo Partido Novo no Supremo Tribunal Federal. A legenda pede que a corte anule os acordos celebrados e impeça novas mediações no âmbito do TCU. Esse pedido, de acordo com os especialistas, mostra que há desconhecimento sobre como funcionam mecanismos consensuais.

‘Dinamismo, celeridade e legitimidade’

Para Marco Aurélio de Barcelos Silva, diretor-presidente da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias, ferramentas consensuais são a maneira mais eficaz de destravar investimentos.

“Não há dúvidas de que, para os contratos em crise, existem muitos investimentos parados que poderiam ser implementados a partir da resolução dos contratos. No caso das rodovias, por exemplo, estimam-se dezenas de bilhões de reais que poderiam se transformar em obras no curto espaço de tempo.”

Para ele, o consenso virou a grande aposta entre empresas e órgãos do governo para garantir a retomada de investimentos que estão parados e que, caso estivessem em curso, trariam benefícios para grande parcela da sociedade.

“Muitas pessoas criticam o consenso como meio de resolver os contratos em crise, indicando que isso seria algo ardiloso ou errado. Mas a verdade é que o que se está buscando é uma espécie de ‘ótimo possível’, a partir de outras medidas que em tese poderiam ser aplicadas (a exemplo da relicitação), mas que se mostraram infrutíferas ou extremamente onerosas e demoradas.”

Ainda segundo Barcelos Silva, o ambiente de consenso garante “dinamismo, celeridade e legitimidade” para as soluções construídas entre as partes, evitando uma “antagonização de posturas” que por vezes paralisa investimentos importantes.

“A nossa cultura jurídica, a propósito, ainda privilegia essa visão de mundo: um ganha, outro perde; um tem razão, outro não. Mas na verdade, quando olhamos, por exemplo, para o que deu ensejo a muitos dos problemas nos contratos que vêm sendo renegociados, encontramos uma pluralidade de causas.”

Solução de controvérsias

Letícia Queiroz, professora de Direito Administrativo da PUC-SP e sócia do escritório Queiroz Maluf Reis, especializado em contratações públicas, afirma que o papel de mediar conflitos, como o feito pelo TCU, é essencial para reaproximar partes que por vezes estão presas a contratos duradouros, mas, ainda assim, não dialogam por estarem em litígio.

“O mediador percebe o que está por trás dessas disputas e ajuda a propor medidas que podem ser boas para os dois lados, sem sacrificar a governança.”

De acordo com ela, todo o processo de consenso é bastante complexo. Um termo de autocomposição, por exemplo, para ser aprovado por uma empresa, precisa passar pelo departamento jurídico e pelos controladores. Do lado da agência, precisa passar por decisão colegiada do órgão.

O fato de a mediação passar pela corte de contas, diz a advogada, adiciona um filtro a mais, já que o acordo é verificado pelo Ministério Público junto ao TCU, que dá sua posição, e pelo conselheiro relator, que analisa os termos e leva o acordo a votação colegiada.

“O grau de coletividade é muito grande. O número de pessoas que participa da tomada de decisão é grande. O que sai de lá não é qualquer coisa. Passa pela avaliação de muita gente.”

As críticas feitas ao modelo, afirma ela, ignoram um ponto essencial: só há acordo se ambas as partes quiserem, o que tem se mostrado mais efetivo do que disputas em que uma das partes ganha da outra via Judiciário.

“Quem chega ao acordo são as partes. Se um não quer, não há acordo. Quando há, a solução é imediata. Houve uma mediação no TCU, por exemplo, que varou a noite. No dia seguinte, as usinas já estavam sendo ligadas. Não há nada mais eficiente em termos de cumprimento para fim de litígio do que esses meios consensuais.”

Letícia diz que, além de solução para problemas urgentes, a literatura que estuda mecanismos consensuais diz que acordos levam a uma espécie de “processo curativo entre as partes”.

“Elas voltam a conversar e tratar de questões em conjunto. O que é ótimo, porque estamos falando de contratos de longo prazo, em que as partes às vezes ficam por 20 anos juntos. Quando um juiz dá uma decisão a favor de um dos lados, uma parte por vezes vira inimiga da outra. Já no consenso, você recupera a relação.”

“No caso do TCU, ainda há um diferencial: além do acordo, o processo passa por toda a governança do TCU. Isso evita que uma obra, por exemplo, seja paralisada no futuro porque o TCU identificou uma cláusula que não está de acordo. Quando o aditivo é assinado, já tem a chancela do TCU”, concluiu a especialista.

Economia bilionária

Em junho, o TCU organizou um seminário sobre consenso em que foram apresentados alguns dados sobre a secretaria. Em funcionamento desde 2023, a SecexConsenso havia homologado cinco acordos e garantido uma economia bilionária a setores importantes, como o de ferrovias e o de energia.

Um dos acordos nasceu de um pedido do Ministério de Minas e Energia, envolvendo contratos de energia de reserva devido a uma crise de falta de água ocorrida entre 2020 e 2021.

A BTG, que estava em dia com os contratos, concordou em participar de uma comissão para discutir o problema. E o TCU aprovou uma solução que permitiu flexibilizar o fornecimento de energia, ativando as usinas só quando necessário, o que levará a uma economia de R$ 224, 5 milhões até 2025.

Em outro caso, desta vez envolvendo o Ministério de Minas e Energia e a empresa turca Karpowership, haverá economia de até R$ 2,9 bilhões, segundo o TCU. A disputa trata da geração de energia inflexível, do pagamento de multas por atrasos e do encerramento de processos.

Durante o seminário, o ministro Bruno Dantas, presidente do TCU, exaltou o modelo consensual:

“A criação da secretaria materializa um deslocamento do olhar do tribunal para os resultados e para a construção de soluções. Ao aprofundar os casos concretos submetidos à corte, percebemos que, muitas vezes, a melhor solução não está pronta na legislação. Ela surge a partir de um processo de diálogo construtivo entre o ministério setorial, a agência reguladora e o setor privado”.

A SecexConsenso foi criada por meio da Instrução Normativa 91/2022. Ela tem como objetivo principal a solução consensual e prevenção de conflitos entre órgãos da administração pública e empresas.

Também em junho, Dantas falou sobre o tema na série Grandes Temas, Grandes Nomes do Direito, da revista eletrônica Consultor Jurídico. Na ocasião, o presidente do TCU afirmou que a presença de auditores do TCU em negociações evita cláusulas ilegais que podem futuramente ser questionadas.

O presidente do tribunal afirmou que a experiência da mediação “tem sido muito exitosa” e evita insegurança jurídica, falta de investimentos e prejuízos para a sociedade.

Fonte: ConJur