A Proclamação da República: um chamado permanente ao fortalecimento da cidadania e das instituições

Edilson Silva

Se voltarmos ao 15 de novembro de 1889, podemos imaginar o Brasil como uma nação em efervescência, cercada por esperanças e inquietações. A República era uma promessa. Um rompimento com o poder hereditário e a centralização política da monarquia. Contudo, também era uma escolha feita às pressas e, em muitos sentidos, ainda imatura. Como cidadãos do presente, com um olhar interligado ao passado, questiono: o quanto dessa proclamação, de fato, cumprimos?

Certa vez, ao refletir sobre momentos de transformação como esse, fui tocado pela frase atribuída a Joaquim Nabuco: “A abolição foi o primeiro passo; o próximo seria libertar o Brasil de todas as suas heranças escravagistas.” Essa ideia ressoou em mim como um chamado contínuo para que avancemos, dos alicerces históricos às bandeiras republicanas que ainda precisam ser fincadas de forma sólida — sob o solo das instituições democráticas e da cidadania ativa.

Quando o Marechal Deodoro da Fonseca proclamou o início do regime republicano, o Brasil carregava nas costas o peso de séculos de exclusão social, concentração de poder e privilégios consolidados. Da monarquia, herdamos desigualdades que não se desfizeram com uma assinatura ou com palavras de ordem. As primeiras décadas republicanas, principalmente durante a chamada República Velha, não foram capazes de corresponder à promessa de inclusão.

A representação política, ainda restrita a uma elite, via a figura do cidadão como secundária. A voz popular, principal sustentáculo de qualquer República, esteve, por décadas, abafada pelo autoritarismo de coronéis e ciclos de instabilidade governamental. A pergunta que ecoa no presente surge quase inevitável: quantas dessas barreiras, de fato, conseguimos transpor?

Ainda assim, seria injusto não reconhecer os passos gigantes que demos em momentos críticos de nossa história. A Constituição de 1988, batizada como “Cidadã”, remodelou um Brasil recém-saído de um regime autoritário. Instituímos princípios tão caros à República, como a universalização de direitos, a ampliação da Justiça Eleitoral e o fortalecimento da transparência por meio do controle social.

Nesse esforço, os Tribunais de Contas emergem como guardiões dessa transformação. Longe de serem meros órgãos técnicos, tornaram-se a ponte entre o direito público e a responsabilização. Atuando como conselheiro nas contas dos gestores e defensor do patrimônio do povo, o controle externo tem hoje um papel que vai além dos números: é uma ferramenta de cidadania. Brasil afora, temos testemunhado como ações integradas entre os Tribunais de Contas e a população promovem mudanças concretas na qualidade da gestão pública, garantindo investimento responsável e retornos à sociedade.

A recente aprovação do Projeto de Emenda Constitucional n. 39/2022 – a PEC da Essencialidade – pelo constituinte derivado é uma vitória significativa para o amadurecimento da República. Ao estabelecer os Tribunais de Contas como órgãos permanentes e indispensáveis, essa medida reforça os pilares republicanos de controle, transparência e responsabilidade na gestão pública e fortalece-se o sistema de freios e contrapesos, essencial para a democracia. Sua importância vai além de uma conquista institucional: ela simboliza o compromisso contínuo com os ideais de 1889, garantindo que o patrimônio do povo seja gerido com ética e eficiência.

Esse aprimoramento das instituições republicanas tem mostrado seu valor, especialmente em cenários de crise. Durante desafios recentes, como a pandemia de Covid-19, a atuação dos Tribunais de Contas provou que a capacidade de adaptação e vigilância é uma das maiores forças da República. Vimos a mobilização do setor público para salvar vidas, enquanto a transparência e o controle foram ferramentas cruciais para minimizar desvios e irregularidades. Cada passo foi uma reafirmação do chamado republicano à responsabilidade e ao bem coletivo.

Mas não nos enganemos: o Brasil de 1889 e o Brasil de 2025 ainda se comunicam em vários aspectos que nos desafiam. A desigualdade é uma ferida aberta, que só pode ser curada com reformas estruturais. Assistimos a retrocessos nas discussões sobre direitos fundamentais, e muitos brasileiros ainda se encontram à margem do debate político, sem voz ou acesso às decisões que mais impactam suas vidas.

Além disso, um problema central nos ronda: a confiança nas instituições. E aqui, faço uma provocação como presidente da Atricon e conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Rondônia: só haverá uma República plenamente consolidada se o cidadão confiar naqueles que administram o presente e fiscalizam os rumos do futuro. Essa confiança não pode ser apenas declarada, mas precisa ser construída, diariamente, com ética, trabalho e resultados concretos.

Convido você a olhar para o 15 de novembro de outra maneira. Não como um dia congelado no calendário, mas como um chamado vivo, uma lembrança de que a República exige cuidado permanente. Exige líderes éticos, cidadãos vigilantes e instituições fortes. Exige reconciliação entre as desigualdades do passado e o progresso inclusivo do futuro.

A Proclamação da República não foi um fim, mas o início de um longo projeto nacional — um projeto que continua sendo escrito, no Parlamento, nos Tribunais, no campo, nas fábricas, no comércio, nas escolas, e em cada cidadão que ousa sonhar com um país mais justo.

Sigamos conscientes dessa tarefa, pois, ao construirmos esse futuro juntos, seremos também responsáveis por escrever capítulos mais dignos na história da nação brasileira. Para isso, o lema Ordem e Progresso precisa ser, mais do que uma frase na bandeira, um compromisso no coração de cada um de nós.

Que assim seja.

Edilson Silva é conselheiro do TCE-RO e presidente da Atricon