Por Edilberto Carlos Pontes Lima *
Seguindo uma tendência mundial, já se vão quase 30 anos que o debate da privatização entrou na agenda do Brasil. No final do governo Sarney já se ensaiavam as primeiras manifestações em favor da venda de empresas estatais, movimento que se intensificou no governo Collor e atingiu seu ápice no governo Fernando Henrique Cardoso. Os argumentos fundamentais são basicamente os mesmos: a incapacidade de investimento do setor público e o melhor desempenho gerencial do setor privado.
O primeiro argumento decorre da grave crise fiscal por que passa o País, quadro que não era muito diferente no fim dos anos 1980 e boa parte dos anos 1990. O resultado é a insuficiência de poupança pública, em consequência a baixa taxa de investimento, notadamente em infraestrutura, área em que o Brasil acumula grande carência. O setor privado, notadamente internacional, ao contrário, teria grande disponibilidade de recursos ávidos por oportunidades rentáveis de investimento.
O segundo argumento é mais controverso. Se é fato que empresas estatais podem ser dirigidas por indicados por grupos políticos sem competência gerencial e com objetivos de extrair vantagens para tais grupos em detrimento das empresas, o setor privado não necessariamente vai atuar para melhorar a qualidade dos produtos e serviços. Isso só ocorrerá se houver forte competição no setor ou, pelo menos, uma regulação profissional muito eficiente e não capturada por interesses escusos.
Suponha o caso de uma empresa de saneamento ou de transmissão de energia elétrica. A administração pelo setor público pode ser desastrosa: funcionários e dirigentes podem comportar-se de forma a auferir o máximo de benefícios para si e para aqueles que os patrocinam, sem maiores preocupações com os usuários e com a população, proprietária em última instância da empresa.
Já a administração pelo setor privado de serviços públicos pode ser igualmente ineficiente. Sem competição, e esta é muito difícil em certas atividades (como serviços de água e saneamento, por exemplo), produtores privados costumam reduzir a quantidade ofertada e aumentar os preços, a fim de maximizar os lucros. A regulação pública busca ser um antídoto para reequilibrar a questão exigindo um padrão mínimo de qualidade dos serviços, bem como um limite para os preços, de forma a não onerar em demasia os usuários. O problema é que os reguladores podem ser muito fracos institucionalmente ou podem ser capturados pelos interesses privados.
A desestatização é uma escolha política, mas os editais de privatização, concessões e parcerias público-privadas, bem como o desenho institucional regulatório, têm que ser pensados com muito cuidado. Caso contrário, pode-se piorar o que já não é bom. O diabo está nos detalhes.
*Edilberto Carlos Pontes Lima é presidente do TCE Ceará