A importância do Livro de Ordem para o Controle Externo

O Tribunal de Contas do Município de São Paulo realizou (27 de outubro) em sua Escola de Contas, com minha coordenação, seminário abordando, sob a perspectiva do Controle Externo, a importância do Livro de Ordem, contando com as participações de representantes do CREA/SP, Instituto de Engenharia de São Paulo, SINDUSCON,  Controladoria Geral do Município de São Paulo e do presidente do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo. O Livro de Ordem é um instrumento simples, que serve para registrar diariamente o que acontece no processo de execução de uma obra ou de serviço prestado, evidenciando-se o ocorrido.

Regulamentado pelas Resoluções 1.024/2009 e 1.094/2017, do Conselho Federal de Engenharia e Agronomia-CONFEA, o Livro de Ordem é um documento de preenchimento obrigatório, que registra todas as atividades relacionadas a uma obra ou a um serviço de engenharia durante seu andamento. Dentre as informações importantes para serem relacionadas, pode-se mencionar os dados do empreendimento; as datas de início e previsão da conclusão da obra, bem como de cada etapa programada; acidentes e danos materiais ocorridos durante os trabalhos; registro da força de trabalho envolvida na execução contratual; períodos de interrupção da obra e os motivos que levaram a essa paralisação, de caráter financeiro ou meteorológico.

No âmbito do TCMSP, a matéria mereceu a edição da Resolução n. 07/2016, dispondo sobre a obrigatoriedade de previsão, nos editais, da exigência de apresentação do Livro de Ordem. Por meio dele, é possível verificar a qualidade de gestão do empreendimento e, dessa avaliação, o uso eficiente dos recursos envolvidos, prevenindo-se ou detectando-se desperdício de dinheiro público.

Trata-se de instrumento que propicia interfaces, como a institucional (do engenheiro com o próprio órgão de controle da profissão) e a fiscalizatória, com o órgão de Controle Externo, quando se trata de obras ou serviços públicos; além da interface do profissional com a empresa que o contratou e com o próprio particular interessado.

A par de garantir maior transparência sobre o andamento do empreendimento ou do serviço, o registro de atividades e eventos em Livro de Ordem proporciona a comprovação da autoria de trabalhos técnicos realizados; permite garantir o registro do cumprimento de instruções técnicas e administrativas, possibilitando a rastreabilidade de todas as etapas e ocorrências das obras ou serviços; fornece subsídios para esclarecimento de dúvidas sobre a orientação e o acompanhamentotécnico da obra; oferece elementos de justificação sobre eventual necessidade de alteração no projeto licitado; evidencia, portanto, ocorrências de obras ou serviços.

O Livro de Ordem também auxilia a esclarecer dúvidas sobre a orientação técnica da obra e  sobre a compatibilização da execução com os projetos; avaliar motivos de eventuais gastos imprevistos, acidentes de trabalhoe interferências junto às concessionárias; documentar eventuais falhas técnicas e acidentes de trabalho; respaldar eventuais pedidos de aditamentos contratuais, seja de prazo ou de valores; reequilíbrios econômico-financeiros, documentando ocorrências relevantes, bem como alterações em medições que possam servir como informações abrangendo justificativa para pedidos de aditamentos ou de reequilíbrios.

É importante implementar-se a cultura do preenchimento do Livro de Ordem, memória escrita da execução do empreendimento, suas evidências. E, ao fazê-lo, relembrar também os benefícios que o registro deixa para identificar até mesmo a produtividade. Mas, não basta que exista verificação da autoria dos projetos e a constatação do responsável técnico (e co-responsável, quando houver) pelas obras e serviços, imprescindível que haja também o efetivo acompanhamento e participação do profissional na execução da obra ou serviço, que ele subscreve como responsável técnico.

A proteção da sociedade é o bem que se pretende atingir e tutelar, para não se colocar em risco a incolumidade pública. Para tanto, nos casos de eventuais erros em qualquer etapa do empreendimento, a Anotação de Responsabilidade Técnica-ART, obrigatória para obras e serviços de engenharia, permite identificar os responsáveis técnicos dos projetos e dos que os executam. Trata-se de averiguar a real participação do engenheiro na execução de obras e serviços, combatendo-se a prática de se “emprestar” o nome do profissional para, sem seu efetivo acompanhamento, executar-se a obra ou o serviço. Além de se caracterizar exercício ilegal da profissão, a conduta infringente do profissional pode conduzir à cominação de sanção, que vai desde multa até o cancelamento definitivo do registro profissional.

O preenchimento do Livro de Ordem permite, pois, dentre outros benefícios: combater o exercício ilegal da profissão; garantir a segurança e a proteção da população; economia e qualidade das obras, beneficiando os consumidores que contratam esses serviços; impedir a proliferação de obras clandestinas e em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos competentes; atendimento ao Código de Obras da Prefeitura e demais exigências municipais, propiciando mais beleza e qualidade urbanística na cidade; observar normas da Lei 8078/90 – Código De Defesa Do Consumidor[1].

Ao trazer uma memória técnica detalhada da execução dos serviços e das ocorrências registradas, o Livro de Ordem constitui-se, ainda, em uma importante fonte de informação para os órgãos de Controle Externo, mediante registro de evidências que contribuem para a fiscalização de obras públicas.

Para verificar a presença e a utilização do Livro de Ordem nas obras e serviços da municipalidade, o Tribunal de Contas do Município de São Paulo selecionou 23 contratos, vigentes no primeiro semestre de 2022, de cinco órgãos públicos diferentes, constatando-se:

Como se pode verificar, em 30% dos casos, os serviços estavam sendo realizados sem que as atividades estivessem devidamente registradas no Livro de Ordem.

No entanto, ainda que a aderência ao uso do Livro de Ordem estivesse presente em quase 70% do universo das obras pesquisadas, constataram-se preenchimentos incorretos, com anotações genéricas do serviço executado, anotações não sequenciais, em dias aleatórios; caligrafia quase ininteligível, etc.

Nas apresentações e debates ocorridos no seminário, outras questões também foram suscitadas, como a importância de o Livro de Ordem “permanecer na obra”, e não no escritório do profissional. Isso faz com que o engenheiro vá presencialmente à obra para preenchê-lo, combatendo-se, consequentemente, o exercício fictício da profissão, evitando-se que um único engenheiro, por exemplo, emita mais de mil ARTs em um único ano, como já constatado pelo CREA-SP.   

Noticiaram-se no evento os esforços do CREA-SP e os desafios que o Conselho tem enfrentado em estudos para implementar o Livro de Ordem digital, e os consequentes benefícios que adviriam dessa mudança, notadamente para (i) se evitar preenchimento ilegível; (ii) propiciar que haja mais facilidade para inserção de informações obrigatórias, completas  e tempestivas (com espaços para anexação de documentação e fotos); (iii) auxiliar na estruturação de dados, com tipologias pré-definidas; e (iv) facilitar, também, a consulta on line dessas informações efetivadas, trazendo ainda mais transparência às evidências documentalmente registradas do processo de execução de uma obra ou de um serviço técnico, propiciando amplas informações a todos que delas precisarem.

Mas, a par de todas essas vantagens que seriam proporcionadas pelo Livro de Ordem digital, não se pode esquecer que tem que se encontrar também uma solução, na futura versão digital, para que não sejam preteridos os atuais benefícios advindos da obrigação de o Livro de Ordem ser preenchido na própria obra.

 Como se vê, ao contrário de ser uma exigência meramente burocrática, a utilização e o correto preenchimento do Livro de Ordem é um importante meio de monitoramento e controle do exercício profissional do engenheiro, servindo para proteger a sociedade quando da realização de obras de engenharia ao se verificar a observância das normas técnicas incidentes, bem como para auxiliar a atuação dos Tribunais de Contas no exercício constitucional de sua função de controle externo da Administração.


[1]  Art. 39 – É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços:

VIII – colocar, no mercado de consumo, qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes ou, se normas específicas não existem, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas”.

Domingos Dissei – conselheiro do Tribunal de Contas do Município de São Paulo