Com queda da MP 1.167/23, administradores devem buscar orientações dos organismos de Controle Externo e Interno e de Consultorias e Procuradorias Públicas
Direito e Política se retroalimentam. Nas democracias representativas, as leis – objeto primordial das ciências jurídicas – são gestadas, alteradas e extintas no ambiente político-partidário.
Essa realidade nem sempre contribui para a racionalidade do ordenamento positivo. A prática demonstra que agremiações partidárias congregam os mais variados interesses e representam as mais diversas correntes ideológicas, de modo que a síntese do jogo político resulta, vez ou outra, em normas que podem parecer desapegadas da coerência idealizada para o direito.
São os custos do pluralismo democrático. Longe de ser uma externalidade negativa, essa contingência foi sopesada quando da arquitetura das instituições, encontrando solução em órgãos jurisdicionais e administrativos com competência para orientar a interpretação correta das leis e preencher vazios normativos.
A tese acima é comprovada pela recente caducidade da medida provisória que ampliava a vigência temporal dos antigos diplomas de licitações e contratações públicas.
Contextualizando, recordo que a Nova Lei de Licitações, a Lei nº 14.133/21, previa que, após dois anos de sua publicação, a legislação anterior esgotaria sua vigência. Ou seja, a partir de 01/04/2023, só seria possível aplicar a nova norma.
Mas, atendendo ao pleito de inúmeros gestores e administradores públicos, que mesmo após dois anos não se sentiam seguros quanto às novidades introduzidas pelo novo marco legal, o Chefe do Executivo Federal editou, às vésperas da derrogação, a Medida Provisória 1.167, que prorrogava, até 30/12/2023, existência jurídica das Leis 8.666/93,10.520/02 (Lei do Pregão) e dos arts. 1º a 47 da Lei nº 12.462/11, o Regime Diferenciado de Contratações – RDC.
Ocorre que o Congresso deixou de apreciar e votar esse expediente normativo de natureza temporária, tendo ele perdido seus efeitos pelo decurso do prazo, em 28/07/2023. Desse modo, além de constatar que controvérsias político-partidárias resultam em questionamentos jurídicos importantes, é preciso dar uma resposta institucional adequada aos questionamentos decorrentes da caducidade da medida provisória, esclarecendo as possibilidades de incidência das normas revogadas pela Lei nº 14.133/21.
Ressalto ainda que no curso da vigência da Medida Provisória 1.167, foi sancionada a Lei Complementar n° 198/23, que, de igual maneira, prolongou, até 30/12/2023, a validade das Leis nºs 8.666/93, 10.520/02 (Lei do Pregão) e do RDC.
Logo, a alteração promovida pela citada lei complementar encampou, de modo definitivo, o texto da medida provisória, de modo que continua sendo possível aplicar a antiga legislação de contratações públicas até o penúltimo dia do exercício de 2023.
Resta, entretanto, um obstáculo a ser superado.
A medida provisória especificava, na redação conferida ao art. 191 da Lei nº 14.133/21, as condições que permitiam a ultratividade das leis revogadas. Contemplava, portanto, que o certame e os contratos poderiam ser regidos pela Lei do Pregão, RDC ou o diploma da 8.666/93, mesmo após o fim de suas vigências, desde que houvesse opção expressa por essas leis até 30/12/2023 e a publicação do instrumento convocatório ou do ato autorizativo da contratação direta ocorresse até 29/12/2023.
Ao contrário, a redação original do art. 191, repristinada pela perda de eficácia da medida provisória, não detalha os requisitos que autorizam a continuidade da eficácia dessas leis, após a revogação.
Diante desse cenário de incerteza, devem ser resgatados os precedentes e pareceres técnicos expedidos anteriormente à edição da medida provisória e que ofereciam uma resposta à possibilidade de efeitos intertemporais das legislações pretéritas.
Na esfera da União, cito o PARECER n.º 00006/2022/CNLCA/CGU/AGU, que facultava a escolha do regime jurídico de licitações e contratações públicas desde que essa opção fosse exercida na fase preparatória e em data anterior à revogação da legislação aplicável.
No mesmo sentido, o Acórdão 507/2023, de 22/03/2023, do Plenário do TCU, segundo o qual a eleição do regime antigo poderia ser feita até o termo final de vigência das leis previsto no art. 193, II, da Lei nº 14.133/21, devendo a publicação do Edital ser materializada até 31/12/2023.
No caso do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, ainda que em orientação interna, constato a adoção de entendimento semelhante. No Ato GP nº 11/23, publicado em 29/03/2023, a possibilidade de licitar ou contratar com base nas Leis nºs 8.666/93, 10.520/02 e RDC poderia ser exercitada até a data de revogação dessas leis, sendo que as publicações fossem efetivadas até 29/12/2023.
Nesses termos, buscando maior segurança jurídica para os gestores públicos, compreendo que as dúvidas e questionamentos ocasionados pela perda de eficácia Medida Provisória 1.167 devem encontrar resposta nas orientações pedagógicas e técnicas dos organismos de Controle Externo e Interno e das Consultorias e Procuradorias Públicas.
Os Tribunais de Contas, por sua vez, não podem se esquecer da obrigação imposta pelo art. 173 da Lei nº 14.133/21, uma vez que “deverão, por meio de suas escolas de contas, promover eventos de capacitação para os servidores efetivos e empregados públicos designados para o desempenho das funções essenciais à execução desta Lei, incluídos cursos presenciais e a distância, redes de aprendizagem, seminários e congressos sobre contratações públicas.”
Finalizo, assim, prestando contas, pois no exercício de 2022, período em que presidi a Corte de Contas Paulista, foram promovidos seis encontros técnicos visando esclarecer e orientar os gestores sobre a Nova Lei de Licitações. Esses eventos foram realizados em São Paulo, Araraquara, Registro, Presidente Prudente, Bauru e São José dos Campos, contando com a presença de milhares de pessoas. O conteúdo ficou disponibilizado nos canais virtuais da Escola Paulista de Contas Públicas e continua a ser acessados por todos aqueles que buscam se capacitar para melhor compreender e aplicar corretamente a Nova Lei de Licitações.
Dimas Ramalho – Conselheiro do TCE-SP