Em tempos de pós-verdades, desinformação, metaverso e juízos superficiais, o Mito da Caverna, de Platão, é leitura obrigatória. A alegoria escancara a condição de ignorância em que vivemos, acorrentados aos sentidos e aos preconceitos que nos impedem de enxergar a verdade plena, só alcançável, conforme o ideal platônico, por meio do conhecimento.
Trago a clássica metáfora para uma reflexão sobre a imagem dos Tribunais de Contas perante os seus maiores clientes: sociedade e gestores. Em geral, a visão de futuro assinalada nos planos estratégicos dessas instituições apontam para o desejo de serem reconhecidas como instância efetiva no controle da Administração, zelando pela eficiência, prevenindo a corrupção e estimulando a transparência e o controle social. Medições de desempenho e trabalhos acadêmicos revelam consideráveis avanços na atuação desses órgãos depois da CF de 1988, malgrado ainda tenham margem para aprimoramentos (como, de resto, todos os Poderes e órgãos da República).
Chama atenção, no entanto, algumas visões completamente antagônicas sobre eles. Parte dos gestores enxergam Tribunais de Contas rigorosos, sancionadores, despidos de empatia com a realidade da gestão, o que acaba por gerar um excesso de punições e uma espécie de “apagão das canetas” desses agentes, fruto do receio de inovar e de executar políticas públicas. Noutra ponta, parcela da sociedade costuma rotulá-los como Tribunais “faz de conta”. Os primeiros costumam ignorar o alcance constitucional das suas atribuições, esquecendo que, ao lado dos importantes papéis pedagógico e dialógico, a responsabilização, amparada no devido processo legal de controle, é seu dever. Já alguns cidadãos, notadamente neste contexto de crise do Estado e dos efeitos de operações como a Lava Jato, igualmente confundem as competências, só que, ao revés, esperam desses órgãos medidas mais extremas, próprias do processo penal, a exemplo da prisão de governantes. As duas posições revelam manifestos mitos: nem inquisidor, nem indulgente.
O fato é que além da busca contínua pela excelência, os Tribunais de Contas têm o desafio hercúleo da comunicação, para afastar as sombras, as aparências, os preconceitos e as detrações. Esse esforço para clarear o papel e justificar a sua relevância republicana – sem fugir da crítica e do enfrentamento dos problemas e dos desafios – não decorre de simples vaidade institucional. Evidenciar a realidade em sua inteireza é permitir ser visto sob o sol de fora da caverna, e um imperativo de justiça.
Valdecir Pascoal – Conselheiro do TCE-PE