As liberdades individuais e os interesses coletivos

João Antonio da Silva Filho

“A liberdade que de fato importa é aquela que combina o respeito às liberdades individuais com um compromisso com a solidariedade social. Essa perspectiva busca um equilíbrio onde as ações individuais promovem o bem-estar coletivo, ao invés de sacrificar os direitos de muitos em prol dos interesses de poucos.”

A liberdade individual é um princípio fundamental para qualquer sociedade que valorize a dignidade humana e o direito de cada indivíduo expressar suas opiniões e agir conforme suas convicções, desde que isso respeite os direitos dos outros e o bem comum. Essa visão da liberdade, centrada na responsabilidade social e no equilíbrio entre direitos individuais e coletivos, reflete uma busca por justiça e harmonia social. Ela se distingue, portanto, de abordagens que confundem liberdade com interesse privado e direitos absolutos à propriedade.

A interpretação neoliberal de liberdade individual frequentemente equaciona esse conceito com a livre iniciativa econômica e o direito irrestrito à propriedade privada. Contudo, essa visão ignora o papel crucial da coletividade na criação de riqueza. A produção de uma nação não é obra exclusiva dos donos do capital, mas sim o resultado do esforço coletivo, onde a força de trabalho tem papel central e indispensável. Essa contribuição é, muitas vezes, subestimada pelo neoliberalismo, que vê a riqueza como mérito dos proprietários dos meios de produção.

Confundir o conceito de liberdades individuais com o de livre iniciativa resulta em um raciocínio simplista que ilude a opinião pública ao pregar o individualismo competitivo. Essa visão promove o abandono da solidariedade como caminho para o crescimento coletivo, incentivando cada pessoa a buscar seu próprio sucesso isoladamente, em vez de estimular a cooperação e o apoio mútuo. Com essa distorção, perde-se a perspectiva de que a liberdade verdadeira envolve também o compromisso com a coletividade e o com desenvolvimento integral das pessoas.

Esse equívoco leva à supervalorização de termos como empreendedorismo e prosperidade, sugerindo que todos os indivíduos poderiam alcançar sucesso apenas pela livre iniciativa econômica. No entanto, essa ideia ignora as limitações e as desigualdades que existem em qualquer sociedade, onde nem todos podem ou desejam ser empresários ou empreendedores. A construção de uma sociedade justa e equilibrada exige o reconhecimento de que o crescimento coletivo depende de esforços cooperativos, e não de uma competição incessante que beneficia apenas alguns.

Supervalorizar a livre iniciativa como base para medir as liberdades de uma sociedade resulta em uma análise falha e incompleta. O acúmulo de capital, sem uma visão social, pode servir como instrumento de opressão, beneficiando apenas uma elite econômica e política. Esse tipo de liberdade, que desconsidera o impacto social, se torna uma ferramenta de concentração de poder e desigualdade, desviando-se do ideal de uma sociedade justa.

A liberdade que de fato importa é aquela que combina o respeito às liberdades individuais com um compromisso com a solidariedade social. Essa perspectiva busca um equilíbrio onde as ações individuais promovem o bem-estar coletivo, ao invés de sacrificar os direitos de muitos em prol dos interesses de poucos. É nesse tipo de liberdade que se constrói uma sociedade harmônica e equitativa, onde o apoio mútuo é a base para o progresso comum.

Esse ideal de liberdade implica na luta por uma igualdade material, que vai além da igualdade formal perante a lei. É necessário garantir a igualdade no ponto de partida para que cada indivíduo tenha as mesmas oportunidades, superando a ideia de meritocracia como duto do sucesso. A busca por igualdade também no ponto de chegada pode ser um ideal utópico, mas tê-la como meta orientadora é essencial para construir uma sociedade menos desigual, solidária e harmoniosa.

João Antonio da Silva Filho é conselheiro do Tribunal de Contas do Município de São Paulo (TCM-SP) e vice-presidente da Atricon