Editorial do jornal O Globo do dia 22 de julho traz um título forte, golpe duríssimo para os Tribunais de Contas brasileiros, afirmando que os “TCEs precisam ser moralizados”. Observe-se que no primeiro parágrafo, o jornal aponta apenas os Tribunais de Contas dos Estados, que precisariam “passar por um saneamento”, esquecendo dos Tribunais de Contas de Municípios e do Tribunal de Contas da União. Incluo-os porque O Globo coloca o dedo no que diz ser a principal causa motivadora: o atual modelo constitucional usado para escolha de conselheiros, com a indicação feita pelos Poderes Executivo (1/3) e Legislativo (2/3). Mas o modelo é igual para todos. O jornal conclui defendendo a aplicação da Lei da Ficha Limpa aos candidatos a conselheiros.
Afirmo que a proposta do jornal O Globo não é original. Há tempos vários conselheiros – incluo-me entre estes – pregam essa mesma providência, a observância da Lei da Ficha Limpa e o respeito aos requisitos estabelecidos pela Constituição Federal. Aliás, diferente de matérias jornalísticas publicadas esta semana no próprio jornal, no Editorial o Globo diz que “há debates sobre como aperfeiçoar os TCEs” sem registrar o merecido crédito para a Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil, que vem lutando pela transformação das nossas instituições de controle externo, tendo como passo fundamental a criação do Conselho Nacional dos Tribunais de Contas. Luta que vem do início desta década. Quando ocupei o cargo de presidente da Atricon, fiz peregrinações pelo Congresso Nacional clamando por essa medida concreta.
O Encontro Nacional dos TCs, que será realizado em Fortaleza (CE), de 4 a 6 de agosto próximo, marcará mais um estágio da luta pelo aperfeiçoamento, com a aprovação de várias resoluções orientativas da Atricon – inclusive uma proposta de PEC visando reformular a composição dos Tribunais de Contas, ampliando em mais duas as vagas para ministros ou conselheiros egressos de carreira técnica. Sempre disse que, para mim, não existe dogma nesse assunto. Apenas observo que desvios de conduta, problemas etc também ocorrem em órgãos cujo ingresso se dá por concurso público, como é o caso do Judiciário.
Mas eu quero avançar mais – este é o objetivo do artigo –, mesmo sabendo do pouco tempo que temos até a realização do encontro nacional. Em não se produzindo uma resolução orientativa da Atricon com tal propósito, entendo ser fundamental que a nossa associação articule os 34 presidentes de Tribunais de Contas a assumirem um compromisso público com o Brasil, de se recusar a dar posse àqueles que forem indicados para os cargos de ministro ou conselheiro e não reúnam as condições previstas na Constituição da República ou tenham os impedimentos previstos na Lei da Ficha Limpa, notadamente condenação por um órgão colegiado e cujo motivo seja ato de improbidade.
Proponho um compromisso subscrito pela Atricon e pelos presidentes de TCs, que possa ser cobrado por todos, doravante. Um documento que também seja, solenemente, entregue aos chefes dos Poderes Executivo e Legislativo, do País e de todos os Estados brasileiros. É uma medida na mesma linha da já adotada pelo nosso presidente, conselheiro Valdecir Pascoal, que encaminhou às autoridades federais e estaduais a posição contrária da Atricon quando da tentativa de nomeação do senador Gim Argelo como ministro do TCU, no semestre passado. O avanço seria uma posição conjunta dos dirigentes dos órgãos de controle externo.
Pode parecer estranho uma autoridade explicitar esse pensamento, tão elementar. Mas é necessário, porque os Tribunais de Contas, com raras exceções, ao longo dos anos vêm tirando o corpo fora dessa responsabilidade, sob a alegação de que a competência pela escolha e indicação é privativa dos Poderes Executivo e Legislativo e que, feita a escolha e nomeação, não lhes cabe recusar a posse. Chega! Essa justificativa não se sustenta mais, seja cultural, moral ou no aspecto legal.
A escolha de um ministro ou conselheiro é um ato administrativo complexo. Necessita, para a sua formação, de manifestação de vontade e ação de diferentes órgãos. Do Poder Legislativo ou Executivo, na indicação. Do Legislativo, na aprovação. Do Executivo, na nomeação. Porém, para ser considerado perfeito, a escolha precisa ser confirmada por um ato de posse, feito pelo Tribunal de Contas. Somente se conclui com essa formalidade essencial, obrigatória, legal. Sem ela, o indicado, aprovado e nomeado não passa de um fantasma que não consegue ser encarnado.
Os Tribunais de Contas precisam sair dessa zona de conforto, de evitar enfrentamentos com os Poderes Executivo e Legislativo. Caso contrário, continuaremos pagando caro. É brincar de guilhotina, emprestando o pescoço para a lâmina dos outros.
Como se diz, a Constituição dá o corpo (requisitos), o Legislativo ou Executivo dão a cara, mas o Tribunal de Contas oferece o abrigo, a casa, o locus de atuação. Será ministro ou conselheiro somente se tiver investidura, dada pelo Tribunal de Contas. Nenhuma outra instituição pode assumir essa responsabilidade, que é dele. E cabe também aos Tribunais de Contas a competência de fiscalizar se a Constituição Federal e a Lei da Ficha Limpa foram observadas.
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P.S. Escrevo este artigo com o necessário e importante esclarecimento – porque não sei fazer diferente senão com honestidade e transparência. Sou um conselheiro condenado em juízo monocrático, em ação julgada 11 anos após o seu início, que ocorreu depois que fui empossado. Um processo julgado em regime de mutirão e com decisão contrária à farta jurisprudência do Tribunal de Justiça do meu Estado e de tribunais superiores. A Lei da Ficha Limpa ainda não se aplica ao meu caso e tenho a convicção que não o será, pois serei justiçado no julgamento pela instância superior, um colegiado. Mas essa situação não me impede de falar o que eu penso e defendo.
*Antonio Joaquim é conselheiro ouvidor do TCE-MT e ex-presidente da Atricon