Uma das coisas mais simples de se fazer na gestão pública é gastar mal os recursos disponíveis. Desperdiçar dinheiro público, além de respeitar uma longa tradição, geralmente é uma atividade que não exige muito esforço, não gera responsabilização e às vezes até propicia alguns dividendos político-eleitorais.
Vamos a dois exemplos, todos eles puramente hipotéticos e ficcionais.
Um gestor adquire milhares de aparelhos de ar condicionado no intuito de propiciar conforto térmico para os estudantes da rede pública do ensino em região do país conhecida pela elevada temperatura média. Todavia, a administração não propicia a adaptação das instalações elétricas nas unidades escolares e os aparelhos, já pagos, permanecem estocados em depósitos por meses e até anos, sofrendo deterioração, obsolescência e perda de garantia dos fabricantes. Em seu relatório anual, os responsáveis vangloriam-se por ter ampliado o montante de investimentos na educação pública.
Outro gestor resolve priorizar a saúde pública e para imunizar a população infantil contra determinada enfermidade determina a compra de 20 mil kits de vacinas, o que é feito sem licitação, dado o caráter emergencial e de absoluta necessidade em nome do respeito à vida humana. Pois bem: a população-alvo daquela comunidade, ou seja, o total de crianças na faixa etária em que a vacina deveria ser aplicada, era de apenas 5 mil indivíduos. Assim, três quartos da compra foram desperdiçados. Pior: os kits entregues pelo fornecedor estavam com o prazo de validade próximo ao final e, devido às carências logísticas daquela comunidade hipotética, em que a maior parte das crianças vive em áreas rurais ou aldeias indígenas com difícil acesso, além do reduzido número de profissionais de saúde que poderia se deslocar para a aplicação das vacinas, cerca de 40% da população não pode ser atendida em tempo hábil. Ao final, pagou-se por 20 mil kits para vacinar 3 mil crianças. Na campanha seguinte, aquela autoridade proclamava com orgulho que nunca antes na história da comunidade tantos recursos haviam sido aplicados na melhoria da saúde pública.
Inúmeros outros exemplos poderiam ser apresentados, principalmente envolvendo a contratação de obras públicas. Como, às vezes, a realidade é mais fantástica que a ficção, no início deste ano os brasileiros acompanharam o drama de um hospital recém-inaugurado cujo teto desabou. Felizmente, foram poucas as vítimas porque o hospital não estava funcionando e nunca havia atendido sequer um paciente, depois de meses da mega-solenidade festiva, que incluiu um show exclusivo com uma das cantoras mais populares e de cachê mais caro daquela região do país. Os mesmos cofres públicos que bancaram o milionário espetáculo não tiveram recursos para fiscalizar a qualidade do material empregado e a correta execução da obra. Como sempre, os governantes contabilizaram positivamente seus feitos, afirmando que suas gestões foram responsáveis pela ampliação do número de leitos hospitalares na rede pública.
Em síntese, muitos são os caminhos do desperdício de recursos públicos. Ausência de planejamento, aquisições em quantidades excessivas ou insuficientes, má qualidade dos produtos ou serviços, deficiência na fiscalização e acompanhamento da execução dos contratos e assim por diante. Ao final das contas, o prejuízo é imenso e se traduz não apenas nas dificuldades fiscais dos governos como também na deficiente prestação de serviços à sociedade. É por isso que, por ocasião do julgamento das contas governamentais, cada vez mais os Tribunais de Contas, órgãos incumbidos de fiscalizar a gestão orçamentária, financeira, contábil, patrimonial e operacional da administração pública, tendem a ampliar, para além do exame da estrita legalidade dos atos de gestão, a utilização do critério da economicidade no emprego dos recursos públicos.
*Luiz Henrique Lima é Conselheiro Substituto do TCE-MT.