Edilberto Pontes Lima
Com a posse dos novos eleitos em janeiro de 2025, o Brasil celebra a força de sua democracia. A cada eleição, renova-se a esperança por mudanças e por uma vida melhor, sentimentos que dão vitalidade à sociedade e à vida pública. Para que essas esperanças não se frustrem, é fundamental lembrar que o Estado de Direito é a base que sustenta a democracia, garantindo que o exercício do poder ocorra dentro dos limites da lei e dos princípios constitucionais.
O poder de decidir, legitimado pela vitória nas urnas, de que tratou com tanta propriedade Joseph Schumpeter, em “Capitalismo, Socialismo e Democracia”, não é o poder de cometer desatinos. Discricionariedade não é sinônimo de arbitrariedade. Essa premissa é essencial no Estado de Direito, especialmente no que se refere à administração pública.
Embora a discricionariedade conceda certa margem de decisão aos gestores públicos, isso não significa liberdade para agir de forma desordenada ou para desperdiçar recursos públicos. A discricionariedade deve ser guiada pelos princípios constitucionais, sob pena de comprometer a legitimidade das ações estatais e o próprio funcionamento da democracia.
Como sabemos, a Constituição estabelece cinco princípios que orientam a administração pública: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Esses princípios são os alicerces da gestão pública e delimitam o campo de ação dos gestores.
Legalidade e impessoalidade
O princípio da legalidade assegura que nenhum ato administrativo pode contrariar a lei, exigindo que todas as decisões tenham base legal. A impessoalidade determina que as decisões sejam voltadas para o interesse público, e não para favorecer indivíduos ou grupos específicos.
A moralidade exige que as ações sejam guiadas por um senso ético, observando os valores de probidade e integridade. A publicidade garante transparência, permitindo que a sociedade e os órgãos de controle acompanhem e avaliem as decisões. Finalmente, a eficiência impõe que a administração busque o melhor uso dos recursos públicos, visando resultados eficazes para a coletividade.
Desse modo, a discricionariedade, longe de ser uma licença para o arbítrio, está cercada por normas e valores que limitam a atuação dos gestores públicos. A observância desses princípios reforça a necessidade de escrutínio constante sobre as ações administrativas.
O controle social, por meio da participação cidadã, o controle judicial, realizado pelo Poder Judiciário, e o controle técnico, exercido pelos Tribunais de Contas, são mecanismos fundamentais para assegurar que as decisões discricionárias sejam legítimas e coerentes com os interesses públicos.
Nas democracias, a administração pública funciona em um contexto de fiscalização contínua. O fato de um governante ser eleito não lhe confere poderes ilimitados. A soberania popular, como expressão da vontade coletiva, é exercida dentro dos limites do Estado de Direito, o que implica o respeito às leis, às instituições e aos princípios constitucionais.
Em regimes autoritários, no entanto, a relação entre discricionariedade e controle é bem distinta. Nas ditaduras, as decisões do poder central não passam pelo crivo popular ou judicial nos mesmos moldes das democracias. Contudo, mesmo nesses regimes, existem leis e regras que precisam ser seguidas, pois a ausência de normativas claras gera desordem e favorece o arbítrio. Em tais contextos, o mais forte esmaga o mais fraco, a insegurança campeia, impedindo qualquer possibilidade de progresso.
Assim, é fundamental compreender que, em uma democracia, a soberania popular não concede poderes absolutos aos eleitos. Os governantes, ainda que legitimados pelo voto, estão subordinados às leis e aos princípios constitucionais, que representam avanços civilizacionais importantes.
Qualquer exercício de poder deve, portanto, obedecer às normas estabelecidas e estar sujeito a fiscalização, com o objetivo de garantir que o interesse público seja o foco de todas as decisões governamentais.
Esse avanço civilizacional, consagrado no Estado de Direito, reflete a maturidade das instituições democráticas e a rejeição do arbítrio como método de governança. A discricionariedade, dentro desse contexto, é uma ferramenta para promover o bem comum, jamais um pretexto para o abuso de poder. No Estado de direito, ninguém é soberano. Nem a maioria do povo.
Edilberto Pontes Lima – Presidente do Instituto Rui Barbosa (IRB) e conselheiro corregedor do TCE Ceará