O jornal paulista Diário Comércio Indústria & Serviços (DCI), especializado em economia e que acompanha a atuação dos Tribunais de Contas em todo país, publicou, na edição de ontem (03), uma entrevista com o futuro presidente da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas (Atricon), conselheiro Valdecir Pascoal.
O presidente eleito para o biênio 2014/2015, falou sobre vários temas, entre eles, a sua proposta de atuação na Atricon, a importância do projeto que cria o Conselho Nacional dos Tribunais de Contas, a Lei da Ficha Limpa e a aplicação da Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas.
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Quais são as propostas de atuação do novo presidente da Atricon?
Valdecir Pascoal – Na última gestão, liderada como muita competência pelo Presidente Antônio Joaquim, construímos, de forma democrática, um planejamento estratégico para o período 2012/2017. A nossa plataforma de campanha esteve alinhada a esta estratégia e o nosso plano de gestão, que será discutido com a nova Diretoria e o novo Conselho Deliberativo, em meados de março, seguirá nesta mesma perspectiva. Na atual conjuntura, o nosso foco principal continuará sendo as ações que visem ao aperfeiçoamento institucional dos Tribunais de Contas brasileiros e à consolidação do sistema “Tribunais de Contas”, a exemplo da continuação dos esforços com vistas à criação do nosso Conselho Nacional e da defesa parlamentar e judicial de nossas competências constitucionais. Outras prioridades: a) atuar junto a organismos internacionais, como o BID e o Bird, com vistas a obter recursos para consolidar, em todos os nossos Tribunais, as normas internacionais de auditoria governamental recomendadas pela Intosai; b) aperfeiçoar o diálogo entre os próprios Tribunais e com as demais entidades representativas ligadas
ao controle, discutindo, cada vez mais, as propostas que objetivam aprimorar o modelo de controle externo brasileiro e a própria gestão pública; c) aperfeiçoar o diálogo com a sociedade, deixando claro para o cidadão que a atuação dos Tribunais de Contas está relacionada diretamente com a qualidade dos serviços prestados pelo Estado na educação, saúde, meio ambiente, etc, tarefa que não pode ser realizada sem a contribuição e parceria dos meios de comunicação, sem esquecer, claro, d) a defesa da melhoria das condições de trabalho, especialmente a questão dos subsídios dos membros dos Tribunais, que sofreram, nos últimos anos, relevante queda no seu poder aquisitivo; do mesmo modo, defenderemos o aperfeiçoamento do papel dos membros substitutos (Ministros e Conselheiros Substitutos) no exercício de suas atribuições constitucionais. A parceria com o Instituto Rui Barbosa (IRB), que será presidida pelo eminente Conselheiro Sebastião Helvécio, com vistas ao apoio à produção e ao compartilhamento do conhecimento e das boas práticas, será outra importante ação.
Qual a sua avaliação sobre a aplicação do Regime Diferenciado de Contratações, inicialmente para obras da Copa e das Olimpíadas, depois para saúde, educação, obras do PAC e agora há uma proposta para os presídios?
Valdecir Pascoal – Vejo de forma positiva o RDC, pois esta nova modalidade de licitação trouxe inovações em prol da eficiência e da economicidade. A lei foi muito adequada ao limitar a aplicação desta nova modalidade a objetos estratégicos do país, como a Copa do Mundo, os Jogos Olímpicos e as ações integrantes do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Algumas destas obras têm data de entrega já fixada em compromissos internacionais e, devido a sua magnitude, o procedimento ordinário de licitação não seria o mais eficiente. O RDC também acerta quando prevê mecanismos para a redução do custo das obras, pois, por exemplo, o contratado assume a responsabilidade pela execução global de todas as etapas da obra, bem como pelos riscos inerentes.
É importante destacar que estas mudanças de procedimento do RDC não afetaram os órgãos de controle e a transparência. Os tribunais de contas têm exercido suas fiscalizações, nas obras regidas pelo RDC, da mesma maneira que auditam as obras decorrentes de outras modalidades de contratação. Certamente essas últimas experiências levarão o legislador a efetuar as devidas correções neste procedimento. Os Tribunais de Contas poderão colaborar com os Poderes Executivo e Legislativo com vistas ao aperfeiçoamento não só da lei especial do RDC (como fez o TCU, com proficiência), mas também no novo, e fundamental, projeto de lei, ora tramitando no Congresso, que substituirá a Lei nº 8.666/93. Simplificar e agilizar os procedimentos licitatórios sem mitigar a legalidade, a impessoalidade e a eficiência da gestão pública é o grande desafio com que nos deparamos neste tema.
Em quais condições, os tribunais de contas podem tornar inelegíveis atuais ocupantes de cargos públicos para as próximas eleições? Os TCs seguem os mandamentos da Lei da Ficha Limpa?
Valdecir Pascoal – É importante deixar registrado, de pronto, que os Tribunais de Contas não tornam, diretamente, agentes públicos inelegíveis. Isso é papel da Justiça Eleitoral. Ocorre que a principal causa que pode tornar um gestor público inelegível decorre do julgamento de suas contas pelos Tribunais de Contas. Caso tenham suas contas julgadas irregulares pelo TC e se a Justiça Eleitoral entender que aquelas irregularidades caracterizam atos de improbidade dolosa (irregularidades graves), aquele gestor ficará inelegível. A Lei da Ficha Limpa é, de fato, um marco importante para o aperfeiçoamento de nossa democracia, de nossa governança pública e a atuação dos Tribunais de Contas é decisiva para a efetividade da lei. E todos nós temos atuado muito bem neste mister.
O Tribunal de Contas da União anunciou que conseguiu reaver em 2012 R$ 300 milhões referentes a recursos públicos que foram desviados ou mal utilizados. O senhor tem uma avaliação sobre quanto os TCs conseguem reaver para o erário?
Valdecir Pascoal – As decisões dos Tribunais de Contas podem ensejar a determinação de ressarcimento para aqueles gestores que causaram dano ao erário. A Constituição até qualifica essa nossa decisão com a eficácia de “título executivo”. No entanto, os dados apontam que o índice de ressarcimento — que depende fundamentalmente das ações movidas pelo próprio erário-credor, e não do Tribunal — ainda é baixo. Nada obstante, é a atuação preventiva dos Tribunais de Contas — aquela que decorre do nosso poder cautelar, especialmente quando se analisam os editais de licitação e os seus orçamentos — que vem gerando relevante economia para os erários. Essa ação preventiva que o TCU e a grande maioria dos Tribunais de Contas vem realizando é, sem dúvida, a mais efetiva. Ela deve ser equilibrada, excepcional, levar em conta os riscos da sustação de um ato de gestão, mas, repito, que essa atuação concomitante, em tempo real, foi um dos mais relevantes avanços na efetividade do controle exercido pelos Tribunais de Contas na defesa do patrimônio do cidadão. Com isso, evitamos o dano, o desperdício, o superfaturamento, o desvio, seja decorrente de negligência do gestor, seja decorrente de atos de corrupção. Prevenir, respeitando-se o equilíbrio entre o tempo da gestão e o tempo do controle, é sempre melhor do que remediar.
Qual é a posição da Atricon à aplicação da Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas por todos os municípios brasileiros? Prossegue na sua gestão a parceria com o Sebrae? Qual é a sua avaliação sobre os resultados dessa parceria?
Valdecir Pascoal – Com certeza deveremos dar continuidade a essa iniciativa. Os Tribunais de Contas não podem se omitir na defesa da efetividade dessa importante lei, seja porque ela traz regras especiais e obrigatórias em relação às compras governamentais, seja porque ela poderá colaborar com a eficiência do gasto e o desenvolvimento econômico local, o que, por conseguinte, melhorará os indicadores fiscais do ente federativo, especialmente dos municípios, que podem incrementar a arrecadação de suas receitas próprias e incentivar o empreendedorismo local. Nesta profícua parceria, também iniciada na emblemática gestão anterior, tivemos uma primeira etapa de encontros de sensibilização, mas penso que é chegado o momento de os Tribunais de Contas passarem a responsabilizar aqueles gestores que deixarem de cumprir as regras da referida lei geral.
Quais sanções as prefeituras podem sofrer se não aplicarem as exigências da Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas especialmente no que se refere a tratamento diferenciado para o segmento?
Valdecir Pascoal – A omissão deliberada no cumprimento dessas regras pode gerar multas, ensejar o pronunciamento dos Tribunais quanto à irregularidade das contas dos gestores responsáveis, o que, como vimos, pode até resultar na inelegibilidade desses agentes.
Como enfrentar a carência de capacitação dos gestores e técnicos públicos para aplicar essas medidas?
Valdecir Pascoal — Esse é de fato um dos grandes desafios da administração pública brasileira. Como vem dizendo com propriedade o Presidente do TCU e da Olacefs, Ministro Augusto Nardes, o nível de governança pública no Brasil é um problema estrutural. Com efeito, estamos longe, especialmente nos pequenos municípios, de um grau de governança pública adequado. Basta dizer que o planejamento estratégico não é uma realidade, os sistemas de controle interno não estão estruturados, a transparência ainda enfrenta obstáculos e o quadro de servidores, no mais das vezes, não está capacitado para estes grandes desafios. É um problema de todos nós. Os Tribunais de Contas procuram atenuar essa realidade a partir de capacitações oferecidas por suas Escolas de Contas e pelo importante Instituto Rui Barbosa. Mas a resolução definitiva desse problema passa necessariamente por uma reforma do nosso pacto federativo (especialmente do federalismo fiscal, da repartição das receitas públicas) e de uma reforma educacional estrutural.
Os governos em geral resistem a aceitar a suspensão de repasse de recursos para obras que apresentaram grandes indícios de irregularidades, preferindo sanar as irregularidades sob a alegação de não prejudicar as comunidades a serem beneficiadas pelas obras sob suspeita. Qual é a sua opinião sobre a reação dos governos ao trabalho dos TCs?
Valdecir Pascoal — Em casos graves, em que os riscos da continuidade de uma obra sejam maiores do que os da paralisação, não há dúvidas de que a suspensão temporária ou limitadora dos repasses é benfazeja. Confesso que não tenho visto exageros na atuação do TCU e de outros Tribunais nesta questão. Os gestores, ao planejarem os prazos de conclusão de suas obras, de suas ações de governo, devem levar em conta o tempo de atuação dos órgãos de controle, interno e externo. Por outro lado, os órgãos de controle devem atuar, nessa ação preventiva, da maneira mais célere possível e ter a sensibilidade de que, em certos contextos sociais e técnicos, a continuidade da obra, com a posterior responsabilização do agente, revela-se o mais razoável. Outra forma de diminuir essa natural tensão controle-gestão é a antecipação da discussão. Respeitando-se, claro, o sagrado poder discricionário dos gestores, estou certo de que aqueles administradores públicos que se antecipam e procuram ouvir o Tribunal de Contas e os seus próprios órgãos jurídicos e de controle interno são os que menos enfrentam problemas na hora da execução de seus contratos. E os Tribunais devem estar — e estão — abertos a esse diálogo preventivo e pedagógico, sem abrir mão, decerto, do seu poder fiscalizador/julgador.
Como vai a tramitação do projeto que cria o Conselho Nacional dos Tribunais de Contas (CNTC). Qual é a importância do projeto?
Valdecir Pascoal – Sabemos que a criação do CNTC não será a panaceia para todos os nossos problemas e desafios históricos. No entanto, estou certo de que a sua criação, tal qual aconteceu com o CNJ, para o Judiciário, ajudará a diminuir as nossas assimetrias institucionais, na medida em que assegurará um padrão de atuação nacional para os Tribunais de Contas, sem esquecer das questões éticas e disciplinares, que, da mesma forma que existem em outros Poderes, atingem nossos Tribunais. Particularmente, sou contra a nossa inclusão na jurisdição do CNJ, como alguns defendem, especialmente porque existem muitas diferenças em relação aos procedimentos e tipologias processuais em nossas atuações. No entanto, defenderei na Atricon que o debate seja ampliado, especialmente com a sensibilização do Congresso Nacional, da sociedade civil, bem como das demais entidades afins com o tema, com vistas a que cheguemos a um modelo de CNTC equilibrado, legitimado, econômico e efetivo.
Fonte: Entrevista concedida ao Jornal Diário Comércio Indústria & Serviços (DCI), fevereiro de 2014;