Valdecir Pascoal
Os avanços tecnológicos e, em particular, a nova onda da Inteligência Artificial Generativa vêm sendo pauta de discussões no mundo todo. Nesse contexto, os Tribunais de Contas não podem se furtar de aprofundar o conhecimento sobre o tema e de extrair, com a devida segurança e responsabilidade, o máximo proveito deste poderoso – para não dizer, revolucionário – instrumento.
Nesta semana que passou, o Recife foi sede do 1° Encontro Nacional de Inteligência Artificial dos Tribunais de Contas, organizado pelo TCE-PE, a Atricon e o IRB, apoiado por entidades do sistema de controle externo brasileiro. O evento contou com a participação da academia, da sociedade civil, de representantes do Judiciário e de empresas do setor de tecnologia. O ponto alto, no entanto, foi a apresentação das inúmeras boas práticas de IA no âmbito dos Tribunais de Contas, a exemplo da Aurora, solução desenvolvida pelo TCE-PE (já objeto de artigo meu neste JC: “Auroras”), que tem o potencial de aprimorar a gestão e a forma como conduzimos as auditorias e os julgamentos das contas públicas.
Na abertura do Encontro fiz uma breve reflexão sobre as oportunidades que o uso da IA pode causar nos Tribunais de Contas. Abordei igualmente os cuidados e os riscos próprios dos avanços tecnológicos e a necessidade de uma regulamentação sobre o tema. A seguir, uma síntese da minha fala.
Um dos marcos do início da jornada da IA foi o artigo “Computadores e inteligência” do matemático Alan Turing, escrito ainda em 1950. Ele questionava: “As máquinas podem pensar?” e propôs o famoso “Teste de Turing” para determinar se uma máquina pode exibir comportamento inteligente indistinguível do humano.
Nas décadas seguintes, a IA evoluiu significativamente. Nos anos 1960 e 1970, vimos o desenvolvimento dos primeiros sistemas especialistas, projetados para imitar a tomada de decisões humanas em áreas específicas, como diagnóstico médico e jogos de xadrez. Nos anos 1980, as redes neurais ganharam destaque, inspiradas na estrutura do cérebro humano.
No início do século XXI, o aprendizado profundo (deep learning) e o processamento de grandes quantidades de dados expandiram a IA para diversos campos. Hoje, ela está presente na saúde, auxiliando no diagnóstico precoce de doenças e na personalização de tratamentos; na educação, proporcionando aprendizado personalizado e tutoria inteligente; no setor ambiental, monitorando e prevendo desastres naturais e promovendo práticas sustentáveis; e na administração pública, apoiando a tomada de decisões.
Nos Tribunais de Contas, a IA pode desempenhar um papel fundamental. Ela já tem sido utilizada na análise de grandes volumes de dados financeiros e operacionais. Os sistemas de IA podem cruzar dados de diferentes fontes para identificar inconsistências e padrões com indícios de irregularidades em contratos públicos ou gastos incompatíveis com a lei. Isso permite que os Tribunais atuem de forma preventiva, determinando aos gestores a correção tempestiva de práticas inadequadas antes que estas causem prejuízos.
A elaboração automatizada de relatórios e decisões é outra vantagem. Ferramentas de processamento de linguagem natural (NLP) podem resumir e analisar documentos extensos, gerando relatórios precisos. Isso acelera o processo de auditoria e garante que todas as informações relevantes sejam consideradas no julgamento. Lembrando: todas essas ações tecnológicas precisam ser revisadas por humanos. Na comunicação social, a IA pode analisar dados de mídias sociais e outras fontes para medir a percepção da sociedade em relação aos Tribunais de Contas, além de poder ser uma aliada da implantação da Linguagem Simples.
A despeito do otimismo, é fundamental abordar os riscos associados à IA, ampliados com a ausência de uma efetiva regulamentação em nosso país. A propósito, o mais novo livro de Daron Acemoglu e Simon Johnson, “Poder e Progresso”, analisa os últimos mil anos da relação entre tecnologia, poder e prosperidade. Os autores argumentam que o progresso tecnológico não é automaticamente benéfico para a sociedade como um todo. Eles sugerem que as tecnologias frequentemente beneficiam apenas uma pequena elite, aumentando as desigualdades sociais e econômicas. E alertam que, sem regulação e políticas adequadas, essas tecnologias podem reforçar as desigualdades e ameaçar a democracia por meio de automação excessiva, coleta massiva de dados e vigilância intrusiva. Fiquemos atentos e proativos nas discussões sobre esse tema-desafio.
Concluo, reiterando que Tribunais de Contas têm papel vital a desempenhar neste cenário. Podemos liderar pelo exemplo, utilizando a tecnologia e a IA de maneira responsável e segura em benefício da boa gestão, do bom controle e da democracia. Só seremos inteligentes de verdade se todos esses avanços resultar em uma maior confiança institucional e, o principal, melhorar a vida das pessoas. Na verdade, se alcançarmos esse propósito estaremos dando um passo para além da inteligência. Teremos atingido a sabedoria.
Que possamos continuar vendo a vida melhor no futuro!
Valdecir Pascoal – Presidente do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco (TCE-PE)