João Antonio
A democracia liberal, modelo político adotado por muitos Estados contemporâneos, incluindo o Brasil, estrutura-se sobre o princípio conhecido como checks and balances — ou, em tradução livre, freios e contrapesos. Trata-se de um sistema de distribuição e limitação de poder entre os diferentes ramos do governo — tipicamente Executivo, Legislativo e Judiciário — de modo que cada um tenha mecanismos para supervisionar, influenciar e conter os excessos dos outros. Essa engrenagem busca impedir a concentração de poder e proteger a ordem constitucional contra abusos.
Na prática, os freios e contrapesos funcionam como um sistema de controle recíproco entre os poderes. Cada poder é autônomo, mas não absoluto. Exemplo: o Legislativo pode aprovar leis, mas o Executivo pode vetá-las, enquanto o Judiciário pode declarar sua inconstitucionalidade. Essa arquitetura garante que nenhum poder possa agir de forma isolada ou despótica.
É importante destacar que, no Brasil, a autonomia conferida a cada um dos poderes não lhes dá a prerrogativa de exercer uma função moderadora sobre os demais. Em outras palavras, nenhum poder pode assumir para si o papel de “instância de moderação” que se coloque fora ou acima dos limites estabelecidos pela Constituição. Ou seja, cada um deve cumprir a sua função precípua, na linguagem popular: cada um no seu quadrado.
No modelo presidencialista brasileiro, a Constituição Federal de 1988 define com clareza as competências de cada um dos poderes e de cada ente federativo. No caso específico do Supremo Tribunal Federal (STF), sua função principal é zelar pela supremacia da Constituição, atuando como guardião da Carta Magna.
Diante desse cenário, cabe refletir sobre episódios concretos, como a recente controvérsia envolvendo a cobrança do IOF. Houve uma divergência jurídica entre Executivo e Legislativo: o Legislativo decidiu sustar o decreto presidencial, entendendo que ele configurava uma ilegalidade, enquanto o Executivo defendeu sua constitucionalidade. É importante lembrar que, no Brasil, o poder Legislativo pode sustar atos normativos do Executivo — incluindo decretos — quando estes extrapolam o poder regulamentar ou os limites da delegação legislativa.
Na ação judicial que discute o decreto do IOF, o governo sustenta que a medida é essencial para assegurar o equilíbrio fiscal e o cumprimento das metas estabelecidas no novo arcabouço fiscal. Argumenta que o aumento da alíquota do IOF visa evitar cortes em políticas sociais e contingenciamentos que poderiam comprometer o funcionamento da máquina pública. Além disso, defende que o decreto corrige distorções tributárias, contribuindo para o equilíbrio das contas públicas e garantindo a progressividade do sistema, ao fazer com que os mais ricos contribuam com sua parte para a promoção da justiça social.
O governo também destaca que a medida está amparada nas prerrogativas constitucionais do Executivo para alterar as alíquotas de determinados tributos, conforme previsto na legislação. Em síntese, sustenta que o decreto é constitucional, necessário para garantir o equilíbrio fiscal e a manutenção de direitos sociais, além de estar dentro da competência legal do Executivo para definir a alíquota do IOF.
Surge então a questão central: qual ilegalidade, de fato, teria sido cometida pelo Executivo? Nesse tipo de impasse, o papel do Supremo Tribunal Federal (STF) não é assumir a postura de poder moderador ou conciliador político, mas, estritamente, analisar e decidir qual interpretação está de acordo com a Constituição.
No Estado Democrático de Direito, a harmonia entre os poderes depende do respeito rigoroso às competências constitucionais de cada um e da recusa a pretensões moderadoras que não têm respaldo na Carta Magna. É justamente no funcionamento equilibrado desse sistema de freios e contrapesos que se sustenta a essência da democracia liberal.
No caso concreto da polêmica decisão do Congresso Nacional de sustar o decreto do Executivo que regulamentou o IOF para taxar os mais ricos, cabe ao Supremo Tribunal Federal, com base na Constituição, decidir qual dos dois poderes atuou em conformidade com os preceitos constitucionais. Em outras palavras, para que se preserve o equilíbrio entre os poderes, é fundamental o respeito absoluto ao texto constitucional: aquele que tiver agido em desacordo com a Constituição deve ser compelido a recuar.
João Antonio é conselheiro do TCM-SP e vice-presidente da Atricon