Valdecir Pascoal
Julgar é formar conceitos, emitir parecer ou opinião, decidir sobre alguém ou algo. Neste sentido amplo, somos todos juízes, em casa, no trabalho, na rua. Com as redes sociais, muitos, incluindo os tolos (Umberto Eco avisou), transformam-se em julgadores implacáveis, do tipo Procusto, personagem da mitologia que costumava esticar o corpo ou cortar os pés de quem não se moldava à exata medida do seu leito de ferro, simbolizando o atual contexto de intolerância e pós-verdade.
Extremos à parte, decidir é, em geral, tarefa complexa e árdua. O cogito cartesiano “Penso, logo existo” soa um tanto utópico, pois a realidade está mais para “Penso (posso errar) e sinto, logo existo”. Ainda que o propósito de quem julga seja o de acertar e de agir de forma racional, justa e imparcial, a tomada de decisão está sujeita à influência de emoções, subjetivismos e das próprias limitações cognitivas.
O ganhador do Nobel de economia em 2002, Daniel Kahneman, autor do best-seller “Rápido e Devagar” e coautor do novíssimo “Noise” (Ruído), explora os chamados vieses (atalhos) cognitivos e os ruídos capazes de impedir uma decisão ótima. Para ele, psicólogo de formação, temos dois sistemas de pensamento: um rápido, sempre pronto para dar respostas intuitivas e impulsivas; e outro mais lento, analítico, que é encarregado das decisões racionais. Nesse duelo cognitivo, não é raro o triunfo do sistema ilógico, o que nos remete a H L Mencken: “para todo problema complexo existe sempre uma solução simples, elegante e completamente errada”.
Alguns vieses que podem induzir a erros: dar mais atenção a argumentos que confirmam a nossa visão preconcebida do problema (viés de confirmação) e conferir maior peso às primeiras informações recebidas (viés de ancoragem). Os ruídos são aleatórios e inconscientes. O estado de humor, o tempo desde a última refeição e o clima são “ruídos” que podem influenciar uma decisão além do tolerável.
Depois da aplicação à economia (comportamental), os estudos de Kahneman podem ajudar a aprimorar o fenômeno jurídico que se concretiza por meio de relatórios, pareceres e julgamentos de natureza administrativa, de controle ou judicial. A ciência jurídica é social, por natureza, sendo cada vez mais ampla a sua interação com outras áreas do conhecimento, como a psicologia cognitiva, a ciência de dados e a neurociência. Antes de virarmos algoritmos, é preciso mitigar as névoas que podem comprometer as decisões.
Na próxima coluna, reflexões sobre vieses e ruídos no processo decisório dos Tribunais de Contas.
Valdecir Pascoal – Conselheiro do TCE-PE