“A que novos desastres determinas.
De levar estes reinos e esta gente?
Que perigos, que mortes lhe destinas
Debaixo dalgum nome preminente?
Que promessas de reinos, e de minas
D’ouro, que lhe farás tão facilmente?
Que famas lhe prometerás? que histórias?
Que triunfos, que palmas, que vitórias?
Luís de Camões, Os Lusíadas, Canto IV, 97
* Dimas Eduardo Ramalho
Dois de fevereiro de 1987: “Ecoam nesta sala as reivindicações das ruas. A Nação quer mudar, a Nação deve mudar, a Nação vai mudar.” São palavras do discurso de posse de Ulysses Guimarães como Presidente da Assembleia Nacional Constituinte. Em 5 de outubro de 1988, na promulgação da Constituição, Ulysses constatou que a Nação mudou e, a partir daí, previu um Brasil diferente.
Hoje, passados 25 anos da promulgação da Constituição, remanescem os ecos das ruas. São anseios diferentes, amadurecidos pela consolidação do regime democrático, facilidades de acesso ao consumo e propagação das informações. Também diferem os tipos de manifestações, hoje, cada vez mais organizadas, utilizando-se de mecanismos das mídias sociais e transferindo gradualmente a ideia de flash mobs – reunião de pessoas organizadas virtualmente para algum propósito aleatório – para os smart mobs, dotados de caráter de politização e formação de massa crítica.
Percebe-se um amadurecimento das demandas da sociedade, cada vez mais exigente e ciente de seus direitos, transferindo para o âmbito estatal a noção de cidadão-consumidor. A lógica tradicional de se fazer política não chama mais a atenção, pois as promessas de bem-estar não se concretizaram. E tal traço da sociedade pode ser percebido, por exemplo, a partir da pesquisa divulgada pelo Datafolha no último dia 17 de abril. A partir do IDC (Índice Datafolha de Confiança), avaliou-se o sentimento dos brasileiros em relação ao país, englobando, entre outras variáveis, o Brasil enquanto lugar para viver, orgulho ou vergonha de ser brasileiro, a expectativa da situação econômica do país, poder de compra, desemprego e inflação. Em relação ao mesmo período de 2013, constatou-se uma queda de 26% no índice, denotando um alto grau de pessimismo dos brasileiros.
As manifestações de junho do ano passado, iniciadas a partir do pretexto dos valores do transporte público, ainda remetem a esse cenário mais abrangente de insatisfação geral com a situação política do país. O grau de irritação com os serviços públicos representa somente uma das faces desse anseio constante por mudanças. Assim, em ano de Copa do Mundo e eleições, caberá uma forte reflexão sobre essa oxigenação que vem das ruas.
Ulysses, de forma brilhante, encerrou seu discurso com o desejo de mudança da Nação, tendo a Constituição como “a voz, a letra, a vontade política da sociedade rumo à mudança”. Aos novos anseios da atualidade, em momento de democracia consolidada, espera-se um discurso político – e principalmente uma prática – de ações coadunadas com essa sociedade cada vez mais exigente, interativa e instantânea. Até o momento, ninguém ainda deu respostas ao imaginário coletivo que emergiu em junho do ano passado. E um novo junho ainda está por vir.
* Dimas Eduardo Ramalho é Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP)