Ao discursar, nesta segunda-feira (04/08), na abertura do IV Encontro Nacional dos Tribunais de Contas, o presidente da Atricon e do TCE-PE, conselheiro Valdecir Pascoal, disse ser preciso “sensibilizar o parlamento nacional e a própria sociedade” para a necessidade de criação de um Conselho Nacional próprio para os Tribunais de Contas à semelhança dos que foram criados para o Poder Judiciário e o Ministério Público.
“Além de poder ser um eficaz instrumento de diminuição de nossas diferenças, funcionará como um poderoso e efetivo filtro ético contra aquela minoria que teima em não trilhar o caminho republicano, esperado de todo agente público, mormente daqueles a quem a Constituição delegou a sublime missão de ser o guardião-mor do princípio republicano e da probidade da gestão”, disse o conselheiro pernambucano.
Ele iniciou sua oração fazendo um agradecimento especial ao presidente do Tribunal de Contas dos Municípios do Ceará (e anfitrião do encontro), conselheiro Francisco de Paula Rocha Aguiar; ao presidente do TCE-CE, conselheiro Valdomiro Távora; ao presidente do Instituto Rui Barbosa, conselheiro Sebastião Helvécio (TCE-MG); ao presidente do Colégio de Corregedores e Ouvidores dos Tribunais de Contas, conselheiro Cláudio Terrão (TCE-MG); ao ministro do TCU e palestrante no evento, Benjamim Zymler, e ao presidente da Abracom, conselheiro Francisco Neto.
Depois, agradeceu aos conselheiros Válter Albano (TCE-MT) e Jaylson Campelo (TCE-PI), vice-presidente e diretor da Atricon, respectivamente, o esforço e a dedicação na construção de algumas minutas de resolução que deverão ser votadas na próxima quarta-feira (dia 6).
Essas resoluções, segundo o presidente da Atricon, irão consubstanciar “um núcleo fundamental e estratégico de ações e posturas daquilo que pode ser um Tribunal de Contas ideal e efetivamente cidadão”.
Valdecir Pascoal considerou “oportuna” a escolha do tema central do IV Encontro – “Os Tribunais de Contas frente às demandas sociais” -, criticou as “avaliações superficiais e preconceituosas” que têm sido feitas sobre os TCE’s, “muitas delas vindas de setores que estão a serviço de ideologias pouco republicanas e de grupos poderosos que passaram, nos últimos anos, a sentir a mão firme e preventiva dos Tribunais de Contas no combate ao desperdício e à corrupção”, salientando que esses órgãos são fundamentais para a efetividade da Lei da Ficha Limpa.
Por fim, repudiou o “julgamento sumário e injusto” que certos setores da sociedade fazem sobre alguns membros dos TCE’s dizendo que “vidas honradas são jogadas, irresponsavelmente, em fração de segundos, na lata do lixo da história”.
Veja, abaixo, a íntegra do discurso do presidente da Atricon:
Queridos colegas, minhas Senhoras, meus Senhores:
1 — Sem querer contrariar o compositor e maestro Guio de Moraes, cantado na lendária voz do nosso Rei do Baião, afirmo com todas as letras que no Ceará tem disso, sim senhor!
2 — Aqui tem gratidão verdadeira. Os agradecimentos que acabamos de render àqueles principais personagens que colaboraram para realização desse momento histórico para nossos Tribunais de Contas é a prova desse sentimento.
3 — Aqui no Ceará, com a ajuda natural de seus ventos fortes, verdadeiros ventos-guia, a “Nau Tribunal de Contas” tem mais uma oportunidade de levantar suas velas institucionais e zarpar sob a crista de poderosas ondas que formam os verdes-mares da ética, da república, da democracia e da cidadania. Aqui, no Ceará, sabe-se, desde cedo, que embora as jangadas da famosa praia do Mucuripe estejam mais seguras ancoradas na areia, elas foram feitas para se lançarem mar adentro, como fazia o lendário cidadão cearense Francisco José do Nascimento. No começo da vida, era simplesmente Chico de Matilde; depois, o heróico “Dragão do Mar”, aquele que, já em 1881, antes mesmo da Lei Áurea, recusou-se bravamente a transportar escravos em sua jangada, contribuindo para que o Ceará entrasse para a história do Brasil como o primeiro estado a abolir a escravidão. Como muitos outros rincões de nosso país, aqui também, no Ceará, tem, sim, sentimento libertário, desejos de evolução, ventos de mudança, pescas republicanas.
4 — Este IV Encontro Nacional acontece numa quadra bastante desafiadora da nossa história. Vivemos, desde junho de 2013, sob um contexto de mares sociais civicamente agitados. O cidadão brasileiro, cada vez mais esclarecido, cobra do Estado e de suas instituições serviços públicos efetivos. Querem ver o suor do tributo pago se transformar em qualidade de vida. Querem ver posturas republicanas e éticas dos seus agentes públicos. Por isso, não poderia ter sido mais oportuna a escolha do tema central do IV Encontro: “O papel dos Tribunais de Contas frente às demandas sociais”. Poderíamos aproveitar esses dias para apenas discutir o que se convencionou chamar de “fenômeno das ruas”. Seria proveitoso. No entanto, pareceu-nos mais adequada e consequente a decisão de aproveitar este momento para ir além e, de maneira democrática e profunda, manifestarmo-nos propositivamente acerca de uma pauta de temas que pode significar a materialização daquele que, para nós, será o “grande encontro”, o encontro definitivo dos Tribunais de Contas com a cidadania.
5 — Daqui, até o final do dia 6 de agosto, sairemos munidos de um conjunto de Resoluções e Diretrizes – legitimadas pela aprovação da maioria dos nossos membros associados – que consubstanciarão um núcleo fundamental e estratégico de ações e posturas daquilo que pode ser um Tribunal de Contas ideal, efetivamente cidadão. São diretrizes-recomendações que respeitam a autonomia de cada Tribunal e o princípio federativo que os norteia. São procedimentos e condutas que, é preciso dizer, já se apresentam como realidade em muitos Tribunais, mas precisam ser estendidos a todos os que formam o sistema, sem qualquer exceção. Urge que atuemos de maneira mais uniforme e integrada. A propósito, lembro de Mandela e de um mantra sempre evocado por ele: UBUNTU. Uma palavra africana que significa um sentimento de coletividade: “Sou o que sou, porque somos todos nós”. Sentimento que cabe como uma luva entre nós. Não conseguiremos a efetividade social desejada se não diminuirmos nossas diferenças, se todos os Tribunais de Contas brasileiros não remarem em uma mesma corrente de excelência.
6 — A Atricon poderia se restringir ao exercício de sua atuação corporativa e na defesa das prerrogativas de seus associados. Mas esta postura introspectiva implicaria virar as costas para a história, para uma realidade que exige de nossas entidades representativas, e de todos nós, o firme compromisso de defender os importantes avanços institucionais e também de refletir sobre aperfeiçoamentos necessários. A Atricon não fugirá desse compromisso!
7 — Firmeza e compromissos que são evidenciados quando somos instados a, publicamente, defender a instituição Tribunal de Contas de avaliações superficiais e preconceituosas, muitas delas vindas de setores que estão a serviço de ideologias pouco republicanas e de grupos poderosos que passaram, nos últimos anos, a sentir a mão firme e preventiva dos Tribunais de Contas no combate ao desperdício e à corrupção. São alguns setores que, paradoxalmente, se acostumaram a trocar os riscos próprios do mercado pela dilapidação dos cofres públicos. São setores que simplesmente não querem ser fiscalizados, que enxergam, muito bem, os nossos avanços e efetividade e, por isso mesmo, desejam nos enfraquecer, ora ensaiando cegueiras, ora dissimulando transparência. A propósito, alerto a todos aqui presentes que alguns pontos do PLS 559/13, ora em tramitação no Senado, que estabelece um novo marco legal para as contratações públicas, pode, entre outras consequências indesejadas, significar o esvaziamento dessa fundamental competência preventiva dos TCs.
8 — Mas há também aqueles que simplesmente não compreendem o nosso papel constitucional. Não veem com a devida nitidez que a maioria dos Tribunais investe pesadamente na formação do seu quadro de servidores (reconhecidamente um dos melhores da administração pública brasileira), em tecnologia da informação, em planejamento estratégico, no aprimoramento das ferramentas de auditoria (buscando padrões internacionais), na criação de ouvidorias e de escolas, na fiscalização concomitante da gestão, que gera benefícios financeiros reais e vultosos para o erário. Não veem, ademais, que a causa mais efetiva que impede um agente público de se candidatar em uma eleição é justamente o fato de ter tido suas contas rejeitadas pelos Tribunais de Contas. Está comprovado: os Tribunais de Contas são fundamentais para a efetividade da lei da ficha limpa. Não veem que para os gestores de boa fé, os Tribunais são verdadeiras escolas de boa governança, parceiros de primeira hora para uma melhor prestação de serviços essenciais, como educação e saúde. Isso é efetividade! Isso é ser útil à sociedade! Porém, além dos preconceitos e da ignorância, há outros momentos de amargura. Falo do julgamento sumário e injusto sobre alguns de nossos membros por parte de setores da sociedade. Vidas honradas são jogadas irresponsavelmente, e em fração de segundos, na lata do lixo da história. Reputações são dilaceradas, bem ao estilo kafkiano. Joio e trigo misturados, sem constrangimentos, num verdadeiro liquidificador inquisitorial. Frente às incompreensões, resta-nos trabalhar arduamente para aperfeiçoar o nosso modo de nos comunicar com a sociedade e com a imprensa. Para as maledicências e tentativas de desconstrução institucional, o remédio é “Fortitudine”, o lema escrito na bandeira da nossa encantadora cidade de Fortaleza, que significa: força, valor e coragem.
9 — Falei do dever de sermos firmes e comprometidos com a defesa do nosso papel constitucional, dos nossos avanços institucionais e daqueles membros que são vitimas de leviandades. Nada obstante, devemos ter a mesma força e coragem para reconhecer as nossas fragilidades e refletir sobre os pontos em que podemos nos aprimorar. Tocar sem medo em feridas e desafios históricos, fugir dos silêncios corporativos, debater problemas que, mesmo refletindo situações excepcionais, acabam ganhando proporções sistêmicas, quase tsunâmicas (como temos visto), abalando a credibilidade de todo o sistema brasileiro de Tribunais de Contas.
10 — Ter a sensibilidade e a determinação para seguir as diretrizes orientativas que serão aprovadas neste IV Encontro é fundamental. No entanto, é preciso mais. Precisamos sensibilizar o parlamento nacional e a sociedade para a necessidade premente de criação de um Conselho Nacional próprio para os Tribunais de Contas. Além de poder ser um eficaz instrumento de diminuição de nossas diferenças, funcionará como um poderoso e efetivo filtro ético contra aquela minoria que teima em não trilhar o caminho republicano, esperado de todo agente público, mormente daqueles a quem a Constituição delegou a sublime missão de ser o guardião-mor do princípio republicano e da probidade da gestão. Não existe Estado sem controle, como também não deve existir Controle sem controle, como já alertavam os gregos antigos e o poeta e retórico romano Juvenal, em suas famosas “As Sátiras”. Da mesma forma, é nosso dever exortar e, ao mesmo tempo, alertar a todas as autoridades públicas competentes para a indicação de membros para os Tribunais de Contas que a sociedade não vai aceitar indicações avessas aos requisitos constitucionais, especialmente a idoneidade moral e a reputação ilibada. Na linguagem dos atuais “Chicos de Matildes”, é dizer: para ser um membro de Tribunal de Contas, o indicado tem que ser, antes de tudo, um cidadão de bem! A adoção dos critérios da lei da ficha limpa, como um dos atributos dessa idoneidade, é também medida urgente. E nada mais lógico, porque são os membros de TCs que, na prática, avalizam grande parte da ficha pregressa de todos os agentes públicos. E quando essas peneiras republicanas não forem suficientes, restará aos próprios Órgãos Plenários dos nossos Tribunais, antes da posse formal dos novos membros indicados, aferir a fiel observância dos competentes requisitos constitucionais.
11 — Outro tema ainda merece a nossa reflexão. Sabe-se que o modelo de composição dos Tribunais de Contas, ao mesclar uma minoria de membros de origem de carreiras técnicas e uma maioria de membros indicados pelo Poder Legislativo, é considerado, por muitos, como avançado e moderno. O primeiro desafio que se nos impõe, portanto, além de cobrar a fiel observância dos requisitos constitucionais, é zelar pela efetividade dessa composição multidisciplinar. Com efeito, passados mais de 25 anos da promulgação da CF-88, alguns Tribunais de Contas ainda não contam com membros oriundos da carreira de Auditor ou do Ministério Público de Contas. Nada obstante, a sociedade cobra de nós um debate mais profundo sobre o próprio modelo constitucional de composição. Aqui neste Encontro, talvez de forma inédita, e com a firme convicção de estarmos cumprindo dever republicano, teremos a oportunidade de amadurecer nossa visão sobre este tema, de forma democrática e transparente. Ao fim, teremos diante de nós a oportunidade histórica de avançarmos a partir de remadas mais largas para conquistarmos definitivamente o nosso maior tesouro institucional: a confiança do cidadão brasileiro.
12 — Finalizo conclamando a todos aqui presentes a continuarmos combatendo o bom combate institucional. Não há mais tempo a perder. O farol da cidadania ilumina o nosso mar revolto e nos aponta a rota mais promissora. As pedras e os arrecifes são muitos, porém todos estão devidamente mapeados. As velas da jangada estão erguidas. Cabe a nós calibrar o leme do nosso destino institucional, aproveitando os ventos sociais e as benfazejas ondas republicanas. Precisamos ser determinados, pondo um olho no passado, para não esquecer a coragem histórica do jangadeiro cearense Francisco José do Nascimento, e o outro olho no futuro, para exortar e se inspirar na sabedoria de sua conterrânea, não menos famosa, Rachel de Queiroz, para quem:
“A vida sem sonhos é muitíssimo mais fácil. Sonhar custa caro. E não digo só em moeda corrente do País, mas daquilo que forma a própria substância dos sonhos.”
Sejam todos bem-vindos e muito obrigado!