O ministro e os artistas
Luiz Henrique Lima
Uma das obras-primas de Aldir Blanc, como letrista das composições de João Bosco, é o clássico “O bêbado e a equilibrista”, imortalizado na voz de Elis Regina. Seus versos foram cantados por milhões de brasileiros na longa e dura luta pela anistia e pela democratização do país:
“A esperança equilibrista
Sabe que o show de todo artista
Tem que continuar.”
Foi em homenagem a esse extraordinário artista, vítima da Covid-19, que foi denominada Lei Aldir Blanc a Lei 14.017/2020, de iniciativa do Congresso Nacional, que instituiu ações emergenciais destinadas ao setor cultural em decorrência dos efeitos econômicos e sociais da pandemia da Covid-19.
Tais ações envolveram o repasse de recursos federais a estados e municípios, para assegurar renda emergencial mensal aos trabalhadores e trabalhadoras da cultura; subsídio mensal para manutenção de espaços artísticos e culturais, microempresas e pequenas empresas culturais, cooperativas, instituições e organizações culturais comunitárias que tiveram as suas atividades interrompidas por força das medidas de isolamento social; e editais, chamadas públicas, prêmios, aquisição de bens e serviços vinculados ao setor cultural e outros instrumentos destinados à manutenção de agentes, de espaços, de iniciativas, de cursos, de produções, de desenvolvimento de atividades de economia criativa e de economia solidária, de produções audiovisuais, de manifestações culturais, bem como à realização de atividades artísticas e culturais que possam ser transmitidas pela internet ou disponibilizadas por meio de redes sociais e outras plataformas digitais.
Infelizmente, tais recursos começaram a ser repassados apenas em setembro de 2020 e, em alguns casos somente em novembro, mas se exigiu que os valores que não fossem empenhados e inscritos em restos a pagar até 31 de dezembro deveriam ser devolvidos.
O resultado é que no início de 2021 restaram mais de R$ 800 milhões disponíveis nas contas bancárias abertas com essa finalidade específica.
A importância das atividades culturais ultrapassa, e muito, os aspectos artísticos, intelectuais e de entretenimento. A cultura movimenta a economia e interage com múltiplos setores, especialmente o turismo. A cultura é responsável pelo trabalho de mais de 5 milhões de brasileiros e assegura a sobrevivência não apenas de artistas, mas de uma complexa cadeia de prestadores de serviços, envolvendo costureiras, técnicos de som e iluminação, montadores, motoristas, publicitários, bilheteiros etc. Todos esses profissionais tiveram a sua renda drasticamente afetada em decorrência da pandemia.
Em maio, o Tribunal de Contas da União – TCU, em decisão relatada pelo ministro Marcos Bemquerer, com base na Lei de Responsabilidade Fiscal e de forma análoga aos procedimentos válidos para a utilização de recursos destinados à saúde e à assistência social, firmou por unanimidade o entendimento que os valores remanescentes dos repasses da Lei Aldir Blanc poderiam ser aplicados por estados e municípios até 31/12/2021 (Acórdão 1.118/2021 – Plenário). Em paralelo, o Congresso Nacional aprovou a Lei 14.150/2021 no mesmo sentido. Apesar do Poder Executivo ter vetado os dispositivos que autorizavam a prorrogação, os vetos foram derrubados e a norma está plenamente vigente.
Assim, R$ 800 milhões que retornariam ao caixa do Tesouro Nacional poderão ser investidos na cultura, por estados e municípios. Agora, cabe aos gestores locais aplicarem com diligência e transparência esses valores.
Parabéns ao TCU, especialmente ao ministro Marcos Bemquerer, e ao Congresso Nacional! A esperança equilibrista continua viva e os shows de nossos artistas irão continuar.
Luiz Henrique Lima é Conselheiro Substituto do TCE-MT.