O TCU pode admitir apenas uma interrupção da prescrição?

Danilo Ferreira Andrade

Uma das questões mais controvertidas acerca da prescrição nos Tribunais de Contas diz respeito à (im)possibilidade de múltiplas interrupções do prazo prescricional.

Conforme jurisprudência consolidada do STF, as pretensões ressarcitória e punitiva no âmbito do Tribunal de Contas se submetem ao regime prescricional previsto na Lei 9.873/99. Nos termos do art. 2º dessa lei, o prazo prescricional quinquenal pode ser interrompido: (i) pela notificação ou citação do indiciado ou acusado (inciso I); (ii) por qualquer ato inequívoco que importe apuração do fato (inciso II); (iii) pela decisão condenatória recorrível (inciso III); e (iv) por ato inequívoco que revele tentativa de composição consensual (inciso IV).

Apesar de a literalidade da norma permitir diversas causas interruptivas, a 2ª Turma do STF tem reiteradamente adotado o entendimento segundo o qual a interrupção da prescrição somente pode ocorrer uma única vez, com base na aplicação do art. 202, par. único, do Código Civil, que consagra o chamado princípio da unicidade da interrupção prescricional. Segundo essa orientação restritiva, a única causa válida de interrupção seria a notificação do responsável acerca da conduta ilícita que lhe é individualmente imputada (MS 37941, MS 38627 AgR, MS 38223 AgR, dentre outros).

Por outro lado, a 1ª Turma do STF vinha adotando, em diversos julgados (MS 38.232, MS 37847, MS 36905, dentre outros), o posicionamento de que a prescrição poderia ser interrompida mais de uma vez, inclusive por causas legais da mesma natureza. Essa orientação interpretativa se alinhava com o entendimento adotado pelo Tribunal de Contas União (art. 5º, § 1º, da Resolução 344/2022).

Contudo, em sessões virtuais realizadas entre 16 e 23 de maio de 2025, a 1ª Turma do STF proferiu três decisões — por maioria apertada (3×2) — que sinalizam uma possível inflexão jurisprudencial do colegiado quanto ao tema.

No julgamento dos agravos regimentais nos MS 39894 e MS 40054, a 1ª Turma, nos termos do voto relator, Ministro Flávio Dino, aplicou expressamente o princípio da unicidade da interrupção, consignando que “o prazo prescricional só pode ser reiniciado uma única vez, desde que por causa interruptiva válida, não se admitindo a reiteração de atos genéricos ou instrutórios como meio legítimo para reiniciar, indefinidamente, a contagem do prazo quinquenal”.

Já na apreciação do agravo regimental no MS 40007, o voto condutor, da lavra do Min. Cristiano Zanin, afastou expressamente a possibilidade de incidência sucessiva de múltiplos marcos interruptivos de idêntica natureza, destacando que “a jurisprudência atual de ambas as Turmas desta Suprema Corte rejeita a possibilidade de irrestrita interrupção da prescrição”.

Embora tenha refutado a tese até então prevalecente na 1ª Turma — e adotada pelo TCU —, a última decisão não chegou a invocar a aplicação do princípio da unicidade da interrupção prescricional. Em verdade, ao afastar apenas a reiteração de causas interruptivas de idêntica natureza, a decisão parece admitir, a contrario sensu, que o prazo prescricional pode ser reiniciado mais de uma vez, desde que por causas de naturezas distintas.

Diante da dispersão de fundamentos decisórios e da estreita maioria que definiu os julgamentos, não é possível concluir que as recentes decisões representem uma consolidação jurisprudencial das turmas do Supremo Tribunal Federal em favor da tese da unicidade da interrupção prescricional .

Crítica à tese da unicidade da interrupção prescricional

A tese da unicidade da interrupção do prazo prescricional é lastreada na aplicação analógica de norma de direito privado (art. 202, par. único, do Código Civil) logicamente incompatível com o modelo normativo definido no art. 2º da Lei 9.873/99.

Isso porque, ao reconhecer a citação ou notificação do responsável como única causa de interrupção do prazo prescricional, referida interpretação acaba por esvaziar a eficácia dos dispositivos da Lei 9.873/99 que preveem outras causas interruptivas (art. 2º, II, III e IV). Contraria-se, assim, o clássico brocardo hermenêutico segundo o qual não se pode atribuir ao enunciado normativo interpretado um sentido que subtraia por completo a sua eficácia, ou, em outros termos, não se pode presumir na lei palavras inúteis (verba cum effectu sunt accipienda).

De fato, se a prescrição pudesse ser interrompida uma única vez — e apenas pela citação ou notificação do responsável —, os atos prévios de apuração da infração, voltados à verificação da materialidade e identificação da autoria (condição necessária para a futura citação), não teriam qualquer efeito interruptivo, tornando letra morta o inciso II do art. 2º da Lei 9.873/99.

De igual modo, a previsão da decisão condenatória recorrível como causa interruptiva (art. 2º, III, da citada lei) tornar-se-ia inócua, uma vez que a interrupção da prescrição já teria se operado anteriormente pela imprescindível citação do agente responsabilizado.

Trata-se, portanto, de interpretação inconciliável com o regime legal adotado pela Lei 9.873/99, que prevê, de forma expressa, um modelo de múltiplas causas interruptivas.

Cumpre ressaltar que esse modelo não é exclusivo da Lei 9.873/99. No âmbito do Direito Público Sancionador, diversos diplomas legais consagram expressamente a possibilidade de interrupções sucessivas do prazo prescricional, sem que se suscite qualquer questionamento quanto à sua juridicidade.

O Código Penal, por exemplo, em seu art. 117, elenca diversas causas interruptivas da prescrição, cuja incidência ocorre de modo sucessivo, renovando mais de uma vez o prazo prescricional para o exercício da pretensão punitiva estatal em relação a uma mesma infração. A mesma lógica foi adotada pela Lei de Improbidade Administrativa, que, após a reforma promovida pela Lei 14.230/2021, passou a adotar um modelo de incidência sucessiva de múltiplas causas interruptivas da prescrição (art. 23, § 4º).

Diante disso, revela-se inadequada a aplicação da tese da unicidade da interrupção do prazo prescricional no âmbito dos Tribunais de Contas, por estar fundada em (indevida) aplicação analógica de norma de direito privado – o art. 202, par. único, do Código Civil – que não se coaduna com regime publicista delineado pela Lei 9.873/99 e por outros diplomas que integram o arcabouço normativo do Direito Público Sancionador.

Crítica à tese das múltiplas interrupções por causas de uma mesma natureza

De outro lado, também não parece juridicamente aceitável a tese que admite múltiplas interrupções do prazo prescricional por uma mesma causa legal.

Isso porque, ao permitir que uma mesma causa interruptiva incida sucessivas vezes em relação a um mesmo fato, tal interpretação acaba por conduzir, potencial e veladamente, a situações de imprescritibilidade, tendo em vista a possibilidade de interrupções indefinidas e ilimitadas do prazo prescricional. Subverte-se, assim, o instituto da prescrição e a norma-princípio que o fundamenta (segurança jurídica), contrariando a essência do sentido normativo que o próprio STF atribuiu ao art. 37, §5º, parte final, da CF.

Ademais, a adoção desse entendimento implica em conferir aos próprios órgãos encarregados do exercício das pretensões punitiva e ressarcitória um controle desmedido sobre a fluência do prazo prescricional, permitindo que, por meio da prática de atos sucessivos, possam indefinidamente interrompê-lo. Tal consequência revela-se manifestamente incompatível com o princípio da segurança jurídica, ao desvirtuar a função estabilizadora que a prescrição exerce no ordenamento jurídico.

Embora se reconheça o indiscutível interesse público na recomposição do patrimônio público lesado, bem como na aplicação de sanções aos agentes que atuem em desconformidade com os padrões de conduta normativamente exigidos, o exercício das pretensões estatais (ressarcitória e punitiva) deve se sujeitar a um limite temporal claro e definido, por imperativo de previsibilidade e de estabilidade das relações jurídicas, ressalvadas as excepcionais hipóteses de imprescritibilidade previstas no texto constitucional.

Conclusão

É de suma importância que a Suprema Corte uniformize o quanto antes a sua jurisprudência sobre a matéria, de modo a orientar de forma clara e estável a atuação dos Tribunais de Contas e conferir previsibilidade às decisões que impactam diretamente a esfera jurídica dos gestores públicos.

Espera-se que venha prevalecer a interpretação que melhor concilie a opção legislativa consagrada no art. 2º da Lei 9.873/99 com a necessária estabilidade das relações jurídicas discutidas em processos de controle externo.

Nesta linha, revela-se mais acertada e equilibrada a interpretação segundo a qual a interrupção da prescrição pode ocorrer mais de uma vez, desde que por causas normativas de naturezas distintas. Tal compreensão preserva a modelagem normativa que admite múltiplas causas interruptivas – prevista não apenas na Lei 9.873/99, mas também em outros diplomas integrantes do Direito Público Sancionador –, e, simultaneamente, atende ao imperativo da segurança jurídica, ao vedar que o prazo prescricional possa ser interrompido por um número indeterminado de vezes em relação a uma mesma infração.

Danilo Ferreira Andrade é procurador do Ministério Público de Contas do Estado da Bahia (MPC-BA)