O teto de gastos e a reativação da economia
Edilberto Carlos Pontes Lima, Vice-presidente do Tribunal de Contas do Estado do Ceará
Odisseu determina que seus marinheiros o amarrem e que eles tapem os ouvidos. É para evitar serem atraídos pelo sedutor canto das sereias, que os levariam à morte. Essa famosa passagem da Odisseia é muito utilizada para justificar regras fiscais de autocontenção, como o teto de gastos. Por ele, durante 20 anos, até 2036, o setor público só pode gastar a cada ano o que foi gasto no ano anterior, corrigido pela inflação. Mesmo se a economia crescer muito e com ela as receitas públicas, o aumento de gastos para resolver problemas da população encontra um governo de “mãos atadas”. Foi o que decidiu o Congresso Nacional, por meio da Emenda Constitucional nº 95, de 2016.
Parece um contrassenso que os responsáveis pelo orçamento público se autolimitem. Afinal, é próprio da representação popular decidir a destinação dos recursos públicos, bem como a magnitude do orçamento. Além disso, a própria dinâmica da sociedade se modifica ao longo dos anos, e, nas eleições, o peso de cada força política e as respectivas prioridades. Longe de ser consensual a necessidade de redução do tamanho do Estado. Diferentemente do herói da mitologia grega, que seria levado à morte, muitos não acreditam que o aumento dos gastos públicos seja necessariamente ruim, por isso não aceitam a autocontenção.
Regras fiscais muito rígidas foram desobedecidas e modificadas em todo o mundo. Na Europa, por exemplo, o Tratado de Maastricht, que estabeleceu o teto de endividamento público e de déficit nominal, ainda no início dos anos 1990, foi ignorado sem maiores consequências quando foi necessário.
O teto de gastos brasileiro enfrenta um teste difícil atualmente. A pandemia do coronavírus e as medidas para reativar a economia na pós-Covid exigem forte expansão dos gastos públicos. As mãos serão desatadas para enfrentar a grave situação? O déficit de mais de R$ 800 bilhões este ano é um sinal que isso já está ocorrendo. O teto será provisoriamente rompido, para voltar em seguida? A experiência internacional mostra que vinte anos parece tempo longo demais nesse campo.