João Antonio
“Agir apenas com base na convicção pode levar a decisões ingênuas ou desastrosas, enquanto agir apenas com responsabilidade pode resultar em um pragmatismo extremo, sem compromisso com valores fundamentais que regem as relações humanas”.
A frase “os fins justificam os meios” é frequentemente atribuída a Maquiavel, embora ele nunca a tenha escrito exatamente dessa forma. Em O Príncipe, obra publicada no século XVI, Maquiavel desenvolve a ideia de que um governante deve agir com pragmatismo e, quando necessário, adotar medidas que possam, mesmo que moralmente questionáveis, garantir a estabilidade e a continuidade do poder. O contexto em que o livro foi escrito é importante: Florença vivia uma transição política com o retorno dos Médici ao poder, e Maquiavel buscava se tornar útil a esse novo governo. Claude Lefort, em sua obra “O Trabalho da Obra Maquiavel” afirma textualmente: “O Príncipe foi redigido para um médici e na esperança de que este empregasse o autor”. Neste contexto é que sua obra traz uma separação entre a moral individual e a moral do Estado, priorizando a eficiência do governo sobre princípios éticos que balizam as condutas dos indivíduos na sua subjetividade bem como na sua relação com o todo social.
No entanto, nem sempre um objetivo, por mais justo que seja, pode legitimar qualquer instrumento utilizado para alcançá-lo. A questão ética que envolve essa reflexão já foi analisada por diversos pensadores, entre eles Max Weber. Ele distingue duas formas de ética na política: a ética da convicção e a ética da responsabilidade. A ética da convicção se baseia na adesão a princípios absolutos, sem levar em conta as consequências das ações. Já a ética da responsabilidade exige que se considerem os efeitos práticos das decisões, avaliando os riscos e as implicações que podem surgir.
A separação entre essas duas éticas demonstra que não há como desconsiderar os meios empregados para atingir uma determinada finalidade. Agir apenas com base na convicção pode levar a decisões ingênuas ou desastrosas, enquanto agir apenas com responsabilidade pode resultar em um pragmatismo extremo, sem compromisso com valores fundamentais que regem as relações humanas. A solução para essa tensão está no equilíbrio entre os dois princípios, evitando tanto um idealismo ingênuo quanto um realismo cruel.
Nesse contexto, os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade tornam-se fundamentais. O princípio da razoabilidade está relacionado à adequação dos fins buscados, ou seja, à legitimidade do objetivo pretendido. Já o princípio da proporcionalidade trata da adequação dos meios utilizados para alcançar esse objetivo, garantindo que não sejam arbitrários ou excessivamente danosos. Dessa forma, um governante, ao tomar decisões, deve ponderar ambos os princípios para garantir que seus atos sejam justos e necessários.
Portanto, a frase atribuída a Maquiavel deve ser analisada com cautela. Embora a política muitas vezes demande decisões difíceis e pragmáticas, os meios empregados para alcançar um fim não podem ser negligenciados. O equilíbrio entre convicção e responsabilidade, aliado à aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, é fundamental para assegurar que as ações tomadas em nome de um objetivo não comprometam valores essenciais, especialmente aqueles que sustentam o princípio da dignidade humana. O grande desafio, tanto na política quanto na vida cotidiana, é encontrar esse equilíbrio de forma ética e justa.
João Antonio é conselheiro do TCM-SP e vice-presidente da Atricon