Reformas e sonetos
Valdecir Pascoal
As reformas constitucionais na seara da gestão fiscal tomam a pauta do país. Além da PEC emergencial, temos a administrativa, tributária, do pacto federativo, da regra de ouro, do teto de gastos e da desvinculação de fundos. De sã consciência, ninguém ignora a necessidade de aprimoramentos em todos esses temas. Entretanto, é preciso responsabilidade para que as emendas não piorem os sonetos normativos já existentes.
A tramitação concomitante dessa miríade de emendas, algumas superpostas e desacompanhadas dos estudos técnicos, pode causar forte entropia, tanto pelas dificuldades naturais do processo legislativo de um ano eleitoral em plena pandemia, como pelas tensões próprias da atual (des)articulação política. Sem prioridade e sem a transparência dos estudos, é grande o risco de retrocessos.
Uma palinha sobre a reforma administrativa, tema sempre sensível, ainda mais no contexto binário de zero ou um, de “só sei que tudo sei”, que marca o atual debate público. Urge discutir, no âmbito dos três poderes, a racionalização de carreiras, a proporcionalidade entre remuneração e complexidade das atribuições, a avaliação de desempenho e o teto remuneratório. Chama a atenção, contudo, a falta de conjunções adversativas nas discussões. Há uma espécie de mantra único contra o serviço público e seus servidores, tratados, amiúde, e de maneira generalizada, como “Genis” ineficientes, privilegiadas ou ímprobas. É raro ver nas análises de “especialistas”, muitos ligados ao setor financeiro, expressões como “todavia”, “por outro lado”…
O ponto da estabilidade é revelador. Ignora-se que desde 1998 a CF permite a perda do cargo e da estabilidade por decisão judicial ou processo administrativo e, ainda, – atenção!, atenção! – em razão da extrapolação do limite de pessoal da LRF ou do mau desempenho do servidor. Portanto, a CF, nessa questão, não é pedra no caminho do ajuste fiscal nem da melhoria da qualidade do serviço público. É fato que os gestores relutam em enxugar os quadros na crise e que o Congresso ainda não aprovou a lei com os critérios para desligar o servidor ineficiente. Hora de agirem. Ao gestor, a gestão; ao Congresso, a lei complementar. Só. E ponto.
Infelizmente, o país ainda não tem maturidade política e institucional para prescindir do atual modelo de estabilidade, mesmo que se preservem as carreiras de estado. Sem esse manto republicano, o serviço público ficará ainda mais à mercê de manipulações políticas e ideológicas. A emenda sairá pior do que o soneto e o cidadão pagará a conta em dobro.
Valdecir Pascoal – Conselheiro do TCE–PE