Retrocesso histórico

É sempre importante, tanto do ponto de vista individual como do coletivo, tirar lições das experiências vivenciadas, de modo a evitar novos erros, corrigir e aprimorar procedimentos e alcançar melhores resultados.

Diversos escândalos de corrupção marcaram os anos 90 no Brasil. O mais importante, sem dúvida, foi o que conduziu ao impeachment do então presidente da República, em episódio inédito que assinalou a maturidade das instituições democráticas. Outros eventos marcantes foram o escândalo dos anões do orçamento no Congresso Nacional e o superfaturamento das obras do Tribunal Regional de São Paulo, conhecido como o “caso do juiz Lalau”.  Assim, naquele momento histórico, integrantes dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário estiveram envolvidos em graves crimes de desvio de recursos públicos.

Entre as medidas que foram adotadas para a proteção do erário, destaca-se a lei da improbidade administrativa, que será objeto de outro artigo. Hoje, a análise cuidará do tema das obras públicas.

O caso do TRT-SP revelou como uma obra com abundantes indícios de superfaturamento, demonstradas pelas auditorias do Tribunal de Contas da União, continuava sendo beneficiada com milionárias dotações orçamentárias e financeiras, mercê da cumplicidade entre gestores, empreiteiros e parlamentares. Ou seja, mesmo detectado o vazamento, os recursos permaneciam, literalmente, saindo pelo ladrão.

A partir do relatório conclusivo da CPI das Obras Inacabadas, em 1995, a elaboração da lei de diretrizes orçamentárias, e posteriormente da lei orçamentária, foi objeto de maior cuidado. O Congresso Nacional passou a exigir do TCU a elaboração de relatórios sistemáticos acerca de irregularidades graves detectadas na contratação e execução de obras públicas custeadas por recursos federais, condicionando a liberação de recursos à correção das irregularidades apontadas. Com isso, buscava-se fechar as torneiras do desperdício e secar as fontes da corrupção.

Para dar conta de tal missão, o TCU e os demais Tribunais de Contas fizeram grande investimento com excelentes resultados. Foram criadas unidades técnicas especializadas em auditorias de obras rodoviárias, de saneamento, de infraestrutura; realizados concursos específicos para auditores com formação em engenharia; desenvolvidas novas ferramentas técnicas e de tecnologia de informação; publicados manuais técnicos; promovidos cursos e eventos de capacitação. Tudo isso viabilizou a realização de milhares de ações de fiscalização resultando em economia de bilhões de reais para os cofres públicos. O Brasil tornou-se referência internacional no controle externo de obras públicas e sistemas como o Geo-Obras, desenvolvido pelo TCE-MT, são utilizados em diversas nações.

Tudo isso agora está sob a ameaça de um retrocesso histórico.

Ninguém menos que o ex-presidente cassado por corrupção reaparece, na roupagem de senador, apresentando um pacote de proposições legislativas destinadas a debilitar a atuação fiscalizatória dos Tribunais de Contas e a intimidar seus servidores.

A primeira delas busca retirar dos Tribunais de Contas o poder geral de cautela em relação a contratos administrativos, condicionando a produção de efeitos ao referendo do Congresso Nacional. Ora, o poder de cautela dos TCs é reconhecido pelo STF como decorrência necessária do exercício da jurisdição especializada de contas públicas e do exercício da fiscalização orçamentária, financeira, contábil, patrimonial e operacional.
A segunda visa coagir a atuação dos auditores dos TCs ao ameaçá-los de responder processos, inclusive de indenizações civis, em decorrência do exercício de suas funções.
Ambas proposições intentam obstaculizar a atuação do controle externo, retirando-lhe efetividade, tempestividade e independência.
Não há dúvida que o país quer avançar e não retroceder na luta contra a corrupção e para isso é preciso derrubar as malsinadas propostas.

Luiz Henrique Lima é Conselheiro Substituto do TCE-MT.

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