Sugestões aos novos prefeitos

Cezar Miola

Era o ano de 2012 e eu presidia o Tribunal de Contas do Rio Grande do Sul. Transcorrido o pleito municipal, passei a receber em gabinete diversos prefeitos então eleitos. Além das protocolares visitas de cortesia, muitos pareciam ir em busca uma espécie de “receita” para o êxito do futuro mandato.

Lembro, particularmente, que num dos encontros com esperançosos e entusiasmados interlocutores veio à tona a obra “Conselho aos governantes”. De fato, no livro há sábias reflexões de grandes pensadores sobre a política e a gestão, embora estejam a demandar, em determinados aspectos, criteriosa ponderação e contextualização, considerando também os séculos que nos separam, p. ex., dos tempos vividos por Platão, Maquiavel e Marquês de Pombal, entre outros.

De minha parte, sem a menor pretensão de oferecer conselhos, mas revisitando a própria vivência em administrações locais (onde atuei por uma década), e nas diferentes funções no TCE-RS (audltor, procurador do MPC e conselheiro), aproveitava esses encontros para conhecer as preocupações trazidas e, humildemente, compartilhar algumas experiências e aprendizados, recolhidos nos ambientes governamentais e do controle.

Assim é que me atrevo a, numa espécie de imaginário diálogo com as novas prefeitas e os novos prefeitos, colocar modestas sugestões a quem investido nas prefeituras em 1° de janeiro de 2025. São anotações singelas, que até poderão fazer o eventual leitor lembrar das obviedades vindas do antológico Conselheiro Acácio, de Eça de Queirós. Mas, e já então me remetendo a Nelson Rodrigues, há situações em que se justifica insistir com o “óbvio ululante”.

Por outro lado, mesmo elementares, sua implementação não se mostra fácil, exigindo firme determinação, espírito público, compromisso com a democracia, razoabilidade, qualificação, resiliência, serenidade, construção de consensos. O certo é que, se práticas assim se materializarem por esse grande, diverso e complexo território, inúmeros serão os ganhos para a sociedade:

  • cumprir e fazer cumprir a Constituição e as leis (o que, sabemos, significa o básico);
    exercer o mandato respeitando a independência e a harmonia em relação aos demais Poderes e a autonomia dos órgãos;
    liderar pelo exemplo;
  • considerar que, na definição das prioridades, há uma já estabelecida como “absoluta” pelos próprios constituintes de 1988 (art. 227): a criança, o adolescente e o jovem;
  • manter o foco nas políticas públicas de interesse local, a partir do conteúdo dos principais planos, como os de educação e da primeira infância (sabendo-se que ainda há muito por fazer para se garantir o atendimento das crianças de zero a três anos em creches, além da qualidade e da equidade no conjunto da educação básica), saúde, meio ambiente, infraestrutura, defesa civil, saneamento, resíduos sólidos, desenvolvimento urbano e mobilidade, estabelecendo metas e indicadores e avaliando os resultados;
  • internalizar, em cada esfera, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), das Nações Unidas;
  • radicalizar na transparência, porque a publicidade é a regra, o sigilo, a exceção;
  • valorizar o planejamento, que é determinante para o setor público, e elaborar orçamentos realistas, com equilíbrio entre receitas e despesas;
    administrar com base em evidências, aproveitando a experiência de outros líderes e as boas práticas já comprovadas de gestão e de governança;
  • investir na profissionalização dos quadros de pessoal, na formação continuada e na valorização das carreiras, também contando o apoio das escolas de contas e de governo;
  • destinar os cargos em comissão exclusivamente para funções de direção, chefia e assessoramento, prestigiando critérios de recrutamento que conciliem a discricionariedade de nomear com a impessoalidade e prestigiem as habilidades e competências dos agentes;
  • observar os limites de gastos com pessoal e zelar pela sustentabilidade dos regimes próprios de previdência;
  • fortalecer o controle interno e a advocacia pública e estimular o controle social, sobretudo através dos sítios na internet e das redes sociais;
    conhecer as normativas e as orientações do Tribunal de Contas, adotar as medidas corretivas e preventivas apontadas nos seus relatórios de auditoria e formular consultas para as questões mais complexas, valendo-se da função pedagógica exercida pelos TCs brasileiros;
  • instituir e cobrar todos os tributos da competência própria, com bases de cálculo realistas;
  • fixar critérios claros e objetivos para as eventuais renúncias fiscais, que deverão ser continuamente avaliadas quanto aos reais benefícios ao conjunto dos munícipes;
  • cultivar uma relação dialógica com a cidadania, utilizando-se da ouvidoria e de outros mecanismos de participação, proteção e defesa dos usuários dos serviços públicos;
  • estabelecer parcerias com organizações da sociedade civil, quando amparadas em lei e em sintonia com os princípios constitucionais;
  • considerar que a motivação deve presidir cada ato administrativo, haja vista que a análise das “consequências práticas da decisão”, além de ser um dever para o controlador, se impõe, primeiramente, ao próprio gestor, na sua tomada de decisão;
  • lembrar que “dizer não” é inerente ao ofício, tanto para a preservação do interesse público quanto no resguardo pessoal;
  • ter presente que o regime republicano implica responsabilidade e prestação de contas, haja vista que quem governa não é dono – administra em nome do titular do poder: o povo.

Certamente haveria mais verbos a acrescentar nessa simples e ao mesmo tempo desafiadora lista. Enfim, a legítima expectativa é de que o múnus outorgado se volte a concretizar os objetivos fundamentais da República, verdadeira síntese do pacto civilizatório que consolidamos já na “página inicial” da Constituição (art. 3º). Subjacente aos grandes propósitos ali assentados, e como pressuposto para a sua efetivação, o cuidado com a vida, que deve unir governos e sociedade. Vida, com dignidade, para toda a gente distribuída nos nossos mais de 5.500 municípios.

Cezar Miola é conselheiro do TCE-RS e vice-presidente da Atricon