Tão perto e tão longe
Cezar Miola
Estes tempos sombrios de pandemia têm sido marcados por temores, dores e perdas. Perdas de vidas e até de perspectivas. Perdas que sentimos ou que facilmente compreendemos. Outras perdas ainda não aparecem nítidas, porém vão se distender ao longo de anos, de décadas. E aqui lembramos da educação, e dos fortes impactos que o quadro atual trará para dezenas de milhões de brasileiros.
Neste 28 de abril, registramos o Dia Mundial da Educação. A data deveria ser celebrada, mas, se até aqui, já faltavam motivos maiores para tal, a grave crise sanitária só fez aumentar desigualdades e demonstrar qual é o “tamanho” da prioridade que tantos agentes públicos dizem dedicar à agenda da educação.
No Brasil, com 11 milhões de analfabetos com mais de 15 anos, e onde metade das crianças na faixa dos 8 anos não aprende o básico em Matemática e Português, amplo acesso e permanência, qualidade da educação e equidade são palavras que ainda não alcançaram sua plena materialização. Certamente não desconhecemos a existência de boas práticas na educação pública, as quais devem sempre ser enaltecidas (a propósito, veja-se o estudo “Educação que faz a diferença”, disponível em https://bityli.com/Oi1CY). Mas elas ainda não contemplam a grande maioria e, sendo pontuais, estão longe de representar algo verdadeiramente sistêmico.
Os problemas são históricos e estruturais, em parte fruto da insuficiência na alocação dos recursos, em parte por problemas na gestão, mas, acima de tudo, pela falta de uma política coordenada e articulada entre União, Estados e Municípios (para ilustrar, até hoje não foi instituído o sistema nacional de educação, previsto na Constituição). E, se não bastassem as dificuldades pretéritas, agora temos um desafio maior no caminho: praticamente desde março de 2020, os estudantes brasileiros estão distantes das escolas, e a possível retomada das atividades presenciais é marcada por incertezas e controvérsias. Embora as aulas remotas sejam um desafio para alunos e familiares, os que vivem em situação de vulnerabilidade são os mais afetados, sobretudo por não terem acesso a computadores e à internet.
Em pesquisa[1] com 3.672 redes municipais, 91,9% destas informaram ter cumprido o calendário de 2020 com atividades não presenciais. Dentre as maiores dificuldades apontadas, estão o acesso de estudantes e professores à internet e à infraestrutura escolar. Dados do IBGE indicam que 1,4 milhão de crianças e adolescentes não frequentaram a escola em 2020, sendo que outros 4,1 milhões, embora vinculados a algum estabelecimento, não tiveram acesso a atividades educacionais (para se ter uma dimensão do que representam esses números: todo o Estado do RS possui 2,2 milhões de alunos na educação básica).
A falta de planejamento, a insegurança quanto à efetiva implementação dos protocolos sanitários para preparar o retorno às aulas presenciais e a demora em priorizar a vacinação dos profissionais da educação trazem forte impacto na vida dos estudantes, das famílias, da sociedade. Além disso, o veto ao Projeto de Lei nº 3.477/2020 (aprovado pelo Congresso Nacional para se garantir o acesso à internet a alunos e a professores da educação básica pública), se mantido, deixará de beneficiar um contingente de mais de 18 milhões de estudantes. Tudo a cobrar um alto preço nas condições de vida, emprego e renda de muitos brasileiros – falamos do presente e do futuro da nação.
Se antes os alunos de instituições públicas davam passos à frente – ainda que, por vezes tímidos, a evasão e o abandono, pela perda do vínculo, constituem movimentos contundentes para fora do espaço escolar. E, assim, para longe de melhores oportunidades de vida. Buscando ajudar na diminuição desses agravos, os Tribunais de Contas brasileiros têm atuado na orientação e na fiscalização junto a Estados e Municípios. Uma das iniciativas é o apoio dos TCs, por meio do Comitê Técnico da Educação do Instituto Rui Barbosa, à campanha promovida por UNICEF e Undime, em conjunto com o Congemas e o Conasems, destinada a promover a (re)inserção e a permanência de crianças e adolescentes no ambiente da escola (detalhes em https://buscaativaescolar.org.br/).
Num país em que a educação é uma das únicas formas de mobilidade social, a exclusão escolar pode comprometer o futuro de uma geração. Partindo dos tantos diagnósticos disponíveis, é tempo de atuar, com firmeza, determinação e competência técnica, por soluções dialógicas, efetivas e duradouras, guiadas pelas garantias e princípios constitucionais. Enfim, é hora de se concretizar a “absoluta prioridade” prevista na Lei Maior para as nossas crianças, adolescentes e jovens.
Que o próximo Dia Mundial da Educação seja lembrado em outro cenário, e com melhores horizontes. E que possamos estar mais próximos, no convívio e no compromisso pela efetivação desse direito fundamental.
*Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do RS e Presidente do Comitê Técnico da Educação do Instituto Rui Barbosa.
[1] Realizada pela União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), com apoio do Itaú Social e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF). Disponível em: http://undime.org.br/uploads/documentos/phpb9nCNP_6048f0cf083f8.pdf. Acesso em: 15-04-2020.