Ao receber ontem à noite, em sessão solene da Assembleia Legislativa, a Medalha Frei Caneca, a presidente do Tribunal de Contas, conselheira Teresa Duere, reprovou decisões tomadas pelo governo federal que afetam Estados e Municípios e agridem a questão federativa.
“Retirar ou reduzir o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) dos carros novos fere a autonomia dos Estados e Municípios, que são partícipes deste imposto, principalmente as Prefeituras que terão (sem poderem ter-se prevenido) uma grande queda em seus Fundos de Participação”, disse a presidente do TCE.
Ela criticou também o uso abusivo de Medidas Provisórias “por decisão solitária do Poder Central”, disse que os programas sociais do governo federal para enfrentar os efeitos da seca no Nordeste lembram o cancioneiro de Luiz Gonzaga segundo o qual “Quem dá esmola a um homem ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão”, e defendeu a realização por parte do Congresso de uma reforma tributária que atenda aos interesses da Federação.
A presidente do TCE, que foi deputada estadual em três legislaturas, evocou também em seu discurso a figura do patrono da Medalha, Frei Caneca, condenado à morte pela Coroa Portuguesa por sua participação na Confederação do Equador, dizendo que a luta dele por liberdade e igualdade “não foi concluída, mas apenas iniciada”. “Ele fez a sua parte. Nosso desafio é sair da zona de conforto. Contribuir para que haja um pacto federativo, resgatando, assim, a altivez e a soberania do povo brasileiro”.
Premiação – Além de Teresa Duere, também foi agraciado com a mesma Medalha o presidente do Sindicato do Açúcar e do Álcool de Pernambuco, Renato Cunha. A dela foi proposta pelo deputado Sebastião Rufino e, a dele, pelo presidente Guilherme Uchoa. A entrega dessa comenda é feita anualmente na data de aniversário da Assembléia Legislativa, que ontem completou 178 anos.
Prestigiaram a sessão, entre outras autoridades, o vice-governador João Lyra Neto (representando o governador Eduardo Campos) e o secretário municipal de Articulação, Fred Oliveira (representando o prefeito Geraldo Júlio).
Veja abaixo na íntegra o discurso da presidente do TCE, conselheira Teresa Duere, na sessão de recebimento da Medalha Frei Caneca:
“Senhor presidente
Senhoras e senhores deputados
Voltar a esta tribuna é, sem dúvida, um momento de muita emoção. Por mais de 11 anos, quase diariamente, aqui estive, representando, legitimamente, o povo bravo pernambucano.
Hoje, envolvida com outras competências, porém não muito distante desta Casa, retorno para receber a Medalha Frei Caneca juntamente com uma pessoa, por quem tenho muito respeito e admiração pela sua luta frente à economia do nosso Estado, sua visão equilibrada e futurista sobre a área canavieira, o açúcar e sua real importância na dinâmica econômica atual.
Silenciosamente, buscou novos caminhos, sempre contando com a inteligência e o conhecimento de quem tem compromisso com sua gente e sua terra. Refiro-me ao amigo, que muito admiro e a quem aprendi a respeitar, Renato Cunha.
Agradeço aos deputados e deputadas por tal honraria e, em especial, ao amigo, deputado Sebastião Rufino.
Senhor Presidente e senhores deputados, ao ser comunicada de tal honraria fiz uma retrospectiva dos anos de 1779 e 1825, até chegar ao nosso milênio. Centenas de anos se passaram e refleti sobre o que houve e o que há, de mudanças essenciais, no aperfeiçoamento do modelo brasileiro, que possa propiciar liberdade, igualdade e solidariedade entre os homens, neste país continental.
Ao pensar o que poderia dizer em algumas palavras, neste momento, creio que temos, mais uma vez, que aproveitar as oportunidades como esta e ouvir os gritos de alerta que sempre foram dados aos pernambucanos e aos nordestinos.
Acredito que Frei Caneca não morreu em vão, pois ele foi mais que um homem, que um carmelita, que um mártir. Ele integra a luta por um ideário, que surgiu desde a Insurreição Pernambucana, em 1645, na Guerra dos Mascates (1710), e se alastrou no século XIX, na Revolução Pernambucana de 1817 e na Confederação do Equador.
O ideário de um povo, que em 1816 passava por uma grande seca, acentuando a fome e a miséria e que, nessa mesma época, era obrigado a pagar imposto para a manutenção da iluminação pública do Rio de Janeiro (no Recife inexistia a dita iluminação), mostrava uma situação injusta.
Frei Caneca tinha muito claro com quem deveria combater. Quando a junta de Gervásio Pires (a primeira junta governativa de Pernambuco) foi deposta, formou-se o “governo dos matutos”, em 1822. Frei Caneca passou à oposição, porém sem enfrentamento, por ter consciência de que deveria empenhar-se contra o grupo que, no Rio de Janeiro, pretendia ditar a sorte da nossa Província.
Pernambuco esperava que a primeira Constituição do Império fosse do tipo federalista, dando autonomia para as províncias. No entanto, D. Pedro dissolveu a Assembleia Constituinte, em 1823, e outorgou uma Constituição extremamente centralizada.
Há detalhes que devem ser lembrados: a revolta contra a opressão portuguesa aumentava e crescia também o sentimento de patriotismo dos pernambucanos a ponto de passarem a usar, nas missas, aguardente no lugar de vinho, e hóstia feita de mandioca no lugar do trigo.
No entanto, por trás das divergências políticas que culminaram com a Confederação do Equador, encontrava-se uma divisão econômica e espacial de Pernambuco.
Com a falta de adesão das outras províncias, o apoio externo e o poder de unir forças, mais uma vez o movimento foi vencido. A Confederação do Equador era um movimento republicano e separatista, ou melhor, autonomista. Frei Caneca foi condenado, junto com outros revolucionários, à morte. A execução dessas lideranças pôs fim ao movimento, que custou à Província de Pernambuco a perda da antiga Comarca do Rio São Francisco, que foi incorporada à Província da Bahia.
Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados:
Seria provável que, se tivéssemos aqui relatando fatos sobre a História de Pernambuco e do grande revolucionário Frei Caneca, poderíamos, agora, encerrar nossas palavras. No entanto, peço licença para lembrar que o principal, a marca, a luta foi pelo ideário de liberdade – autonomismo e federalismo -, que permeou todos esses fatos históricos.
Este ideário ainda tem necessidade de outros Freis Canecas, José da Natividade Saldanha, Gonçalo Inácio de Loyola e tantos outros para que continuemos a luta pelo federalismo brasileiro.
Afirmei que, ao receber tão honrosa homenagem, fui buscar, através dos séculos passados, o que há de mudanças essenciais no aperfeiçoamento do modelo, que possa propiciar liberdade e igualdade entre o povo do nosso País e a soberania dos Estados e Municípios, na República Federativa. Hoje, a centralização no Poder Federal esmaga a soberania dos Estados e Municípios.
Medidas Provisórias são publicadas por decisão solitária do Poder Central e as diferenças regionais são latentes: o Nordeste sob uma grande seca, como a de 1826, e o Sul e o Sudeste com aumento do índice pluviométrico, a ponto de provocar enchentes e desmoronamentos.
Os programas sociais do Governo Central chegam ao Nordeste, lembrando o nosso Luiz Gonzaga: “Quem dá esmola a um homem são, ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão”.
As decisões que têm efeito direto nos Estados e Municípios são tomadas sem ter olhos para a questão federativa.
Retirar ou reduzir o Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI – dos carros novos – fere a autonomia dos Estados e Municípios, que são partícipes deste imposto, principalmente as Prefeituras que terão (sem poderem ter-se prevenido) uma grande queda nos seus Fundos de Participação.
Todos os Estados e Municípios já reivindicaram e não há mais o que esperar: A reforma tributária, hoje, não é mais uma necessidade. É, sem dúvida, uma exigência.
Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados,
A obra de Frei Caneca não foi concluída, foi iniciada.
Ele fez a sua parte. Nosso desafio é sair da zona de conforto. Contribuir para que haja um pacto federativo, resgatando, assim, a altivez e a soberania do povo brasileiro”.