Conclusão é de auditoria feita pelo TCU no sistema prisional de 17 Estados e do Distrito Federal. Crescimento galopante da população carcerária fere princípio constitucional da dignidade humana
Ainda que não seja possível estabelecer uma relação causal entre a superlotação carcerária e a ocorrência de rebeliões, o excesso populacional nos presídios brasileiros favorece a atuação de facções criminosas nas unidades prisionais. Além disso, prejudica a atuação do Estado na garantia da ordem e da segurança dos detentos. As conclusões são da auditoria realizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU), em conjunto com Tribunais de Contas estaduais e municipais, sobre o sistema prisional de 17 Estados e do Distrito Federal. São eles: Acre, Amazonas, Bahia, Maranhão, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Pará, Paraíba, Piauí, Paraná, Rio Grande do Norte, Rondônia, Roraima, Rio Grande do Sul, Sergipe e Tocantins.
Questionadas se haviam enfrentado algum tipo de motim entre outubro de 2016 e maio do ano passado, 61% das unidades da federação (UF) fiscalizadas declararam que ‘sim’. A questão torna-se ainda mais preocupante quando se observa que 78% dos casos ocorreram em prisões com superlotação: em 18 das 23 unidades carcerárias que registraram rebeliões.
Foi essa a situação, por exemplo, do Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), no Amazonas, que apresentava um déficit de 507 vagas. Em janeiro do ano passado, uma disputa entre facções rivais gerou uma rebelião que durou mais de 17 horas no Compaj. O resultado amargo foi o assassinato de 56 presos, configurando a segunda maior chacina carcerária do país. A primeira, como é notório, foi o episódio conhecido como “Massacre do Carandiru”, quando 111 presos foram mortos após a intervenção policial para conter um motim também iniciado por uma briga entre grupos inimigos.
Pela segunda vez consecutiva, o Brasil iniciou o ano com o registro de rebelião carcerária. Nesta semana, nove detentos morreram e 14 ficaram feridos durante o motim ocorrido na Colônia Agroindustrial do Regime Semiaberto do Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia (GO). Uma inspeção realizada pelo CNJ em novembro de 2017 alertava para as “péssimas” condições da unidade prisional. Entre elas, a superlotação: projetada para abrigar 468 pessoas, contava, à época, com 1.153 detentos.
O processo relativo à fiscalização coordenada pelo TCU foi relatado pela ministra Ana Arraes. Na avaliação dela, a gestão do sistema prisional brasileiro constitui um grande desafio para a administração pública, porque exige “interdisciplinaridade e múltipla coordenação institucional entre as várias esferas de governo”. As determinações e recomendações da Corte de Contas foram aprovadas na sessão plenária do dia 6 de dezembro de 2017 e integram o Acórdão 2643/2017 – Plenário.
Déficit de vagas e descumprimento legal
A auditoria do TCU também contatou que faltavam vagas em todos os Estados fiscalizados, incluindo o Distrito Federal. Juntos, eles somavam 263.119 detentos. Os presos provisórios, ou seja, aqueles que aguardavam condenação, correspondiam a 38% do total da população carcerária: cerca de 89 mil. O número se aproxima do déficit de vagas apurado nas UF fiscalizadas: 113.283. As informações baseiam-se em dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) relativos a setembro de 2017.
“A superlotação das unidades prisionais propicia a atuação mais incisiva de facções criminosas, umas das principais razões apontadas para a ocorrência das rebeliões no início deste ano”, diz o relatório da ministra Ana Arraes, em referência aos diversos motins ocorridos em 2017. Além do Compaj, em janeiro do ano passado, ao menos 30 presos morreram na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo (Pamc), a maior do Estado de Roraima. No mesmo mês, o Rio Grande do Norte registrou o motim mais violento da história do Estado, na Penitenciária de Alcaçuz, onde 26 detentos foram assassinados durante uma rebelião.
O documento aponta ainda que o crescimento galopante da população carcerária nos últimos anos tem como consequência o descumprimento da Lei de Execução Penal e dos pactos e convenções internacionais dos quais o Brasil é signatário. Além disso, fere o princípio constitucional da dignidade humana, ao expor a população carcerária a condições sub-humanas de existência.