Um balanço da pandemia
Valdecir Pascoal
Em meio à crise da Covid-19, e sem a devida distância histórica do que estamos a viver, eis um mosaico de fatos que me marcaram nestes meses.
O PIOR — A morte de mais de meio milhão de pessoas no mundo. A dor e a saudade de quem perdeu um ente querido sem poder dizer adeus. O medo causado pelas incertezas e pela perspectiva de novas pandemias. A constatação de que, mesmo com todos os avanços tecnológicos e os alertas de epidemiologistas, nenhum país possuía um plano para enfrentar o vírus, malgrado muitos deles possam, em segundos, “hiroshimizar” a humanidade. O afloramento de nossas raízes mais desiguais e a comprovação de que elas dificultam o combate à pandemia. A conduta (tânatos) de governantes que não lideram o enfrentamento da crise e ainda renegam a ciência (esses não passarão no tribunal da história). O retrato do egoísmo, da soberba e da ignorância na fala da “inocente da Barra”: “Cidadão, não; engenheiro formado, melhor do que você”. A burocracia para os mais pobres receberem o auxílio do governo, enquanto privilegiados fraudam o processo. A malversação de recursos públicos. A falta da educação para iluminar o nosso futuro.
O MELHOR — As milhares de vidas salvas. O trabalho dos profissionais de saúde e dos que atuam em serviços essenciais. Os governantes que assumiram suas responsabilidades e guiaram-se pelos consensos científicos, mesmo ante o risco de impopularidade (um fato invejável: a aula on-line do presidente de Portugal, Marcelo Rebelo, para jovens alunos, empatia e alento nestes tempos obscuros). A atitude de professores para levar as atividades até a casa dos alunos. O renascer do sonho de Luther King a partir da trágica “falta de ar” em Minneapolis. A discussão de um novo papel para o Estado: é preciso conciliar austeridade, eficiência, meio ambiente e combate às desigualdades (Renda Mínima e reforço do SUS são itens deste protocolo civilizatório). Os bons impactos do teletrabalho e das reuniões virtuais na economia e na vida das pessoas. A reflexão sobre um modo mais minimalista de consumo. A resiliência de nossas instituições e o apoio de 75% dos brasileiros à democracia.
Qual o balanço? Que futuro virá? Na parede da minha memória vem o icônico diálogo geracional de Belchior, na voz de Elis. Viveremos como os nossos pais? ou o novo sempre vem? Difícil. Ante os perigos na esquina, viver, sabendo que o amor é uma coisa boa, já é melhor que sonhar. Que o belo vídeo produzido por amigos de Gilberto Gil inspire a nossa caminhadura: “Andar com fé eu vou”. E que Deus nos distancie… do pior.
Valdecir Pascoal – Conselheiro do TCE-PE e Diretor da Escola de Contas.