Edilson Silva
No dia 5 de outubro de 1988, o Brasil entrou para um novo capítulo de sua história ao promulgar a Constituição Federal. Muito mais do que um conjunto de normas jurídicas, a chamada “Constituição Cidadã” foi a materialização do anseio de um povo que enfrentou anos de repressão, censura e desigualdade e que buscava o restabelecimento da democracia. Neste momento, o Brasil se reconstruía, deixando para trás um período de regime autoritário para firmar-se como um Estado Democrático de Direito, comprometido com os princípios da liberdade, da justiça social e dos direitos fundamentais.
O contexto político, econômico e social da época era desafiador. O país saía de um longo período de ditadura militar, marcado por censura, violações dos direitos humanos e restrição de direitos civis e políticos. A democracia voltava ao cenário nacional em meio a tensões e incertezas, mas também com uma intensa participação popular. Na economia, enfrentava-se o caos gerado por uma hiperinflação avassaladora e políticas fiscais frágeis. No campo social, questões como a desigualdade, a pobreza e o acesso precário a serviços básicos evidenciavam a urgência de mudanças estruturais. Foi nesse cenário que a Constituição de 1988 se tornou um símbolo de esperança, construindo as bases de uma nova ordem jurídica e política.
O texto constitucional, resultado de um amplo processo de participação e negociação, consolidou direitos que nunca antes haviam sido assegurados de forma tão abrangente: a igualdade de gênero, os direitos dos povos originários, o combate às discriminações, a proteção trabalhista, a preservação ambiental e o acesso universal à saúde e à educação. Mais do que um marco jurídico, a Constituição de 1988 foi um divisor de águas na organização do Estado brasileiro, estabelecendo o fortalecimento das instituições democráticas e a responsabilidade dos entes públicos por uma gestão comprometida com o interesse coletivo.
Ao longo de seus 37 anos, a Constituição Federal enfrentou crises e se provou sólida mesmo diante de contextos adversos e desafios históricos. Sua essência se manteve viva, mas o texto também se mostrou dinâmico e adaptável às demandas do tempo. Diversas emendas constitucionais moldaram estruturas e relações, adequando o Estado às necessidades de uma sociedade em constante transformação. Passamos a lidar com questões contemporâneas como governança digital, sustentabilidade, direitos digitais e políticas econômicas mais sustentáveis, evidenciando o compromisso do texto constitucional em acompanhar as mudanças do Brasil e do mundo.
Um exemplo claro dessas adaptações foi a criação de mecanismos fundamentais, como a Lei de Responsabilidade Fiscal, que reforçou a disciplina e a transparência no uso dos recursos públicos. Outros avanços, como o fortalecimento das políticas sociais e a ampliação de direitos das minorias, reforçaram o compromisso contínuo com os princípios fundamentais determinados pela Carta Magna.
Contudo, embora a Constituição representasse e ainda represente um grande avanço, não podemos desconsiderar os desafios. A desigualdade social persiste, os direitos garantidos pela Constituição muitas vezes enfrentam barreiras para se traduzirem em políticas efetivas, e a gestão pública tem sofrido pressões decorrentes da polarização e da desinformação. Esses fatores exigem vigilância cidadã e o comprometimento das instituições para que os direitos constitucionais não permaneçam apenas no papel.
Entre as instituições fortalecidas pela Constituição de 1988, estão os Tribunais de Contas, que assumiram protagonismo no zelo pelo bom uso dos recursos públicos. Estes órgãos independentes e dotados de autonomia ganharam a responsabilidade de promover a eficiência, a transparência e a legalidade nos gastos públicos. Desde a promulgação da Carta Magna, os Tribunais de Contas têm se renovado para acompanhar as mudanças da gestão contemporânea, contribuindo para o aprimoramento da administração pública e a proteção dos interesses coletivos.
Nesse cenário, os Tribunais de Contas têm desempenhado um papel ativo não apenas ao cobrar a responsabilidade fiscal, mas também enquanto indutores de políticas públicas que buscam corrigir desigualdades e melhorar a qualidade de vida da população. São exemplos indiscutíveis da capacidade da Constituição de criar e fortalecer instrumentos que permitam o efetivo exercício de direitos e deveres em nossa República.
A Constituição de 1988 permanece como um testemunho vivo da capacidade do Brasil de se reinventar e como um compromisso com o futuro. Seu texto não é estático; é uma obra em constante construção, refletindo e respondendo às demandas de cada época. No entanto, para que ela continue a cumprir seus propósitos, é preciso que seja defendida, interpretada com responsabilidade e aplicada com rigor.
Na condição de presidente da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon), reforço o compromisso da instituição com a preservação desses valores fundamentais. São os ideais constitucionais que nos norteiam no trabalho contínuo de fiscalizar, aprimorar e proteger a gestão pública, garantindo que a aplicação correta e justa dos recursos públicos se traduza em serviços e políticas que impactem positivamente a vida dos cidadãos.
A democracia, como bem sabemos, não se constrói de uma só vez. Ela é diariamente renovada por meio do diálogo, do respeito às instituições e da materialização dos direitos e deveres que constam no texto constitucional. Em celebração aos 37 anos da Constituição Federal de 1988, que os Tribunais de Contas e as demais instituições sigam como pilares robustos, protegendo o legado histórico e fortalecendo as bases para um futuro mais justo e democrático.
Que esse texto, construído com suor, luta e esperança, continue a ser um guia para nossa caminhada coletiva. Afinal, preservar a Constituição é preservar o sonho de um Brasil mais inclusivo, humano e igualitário.
Edilson Silva é conselheiro do TCE-RO e presidente da Atricon